quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sinto-te por perto

É noite. Estou cansada. Sinto-te por perto. Tudo começa à pressa. Assim como nós vivemos as nossas noites. E os nossos dias. Mergulhados na escuridão que nos cerca, procuramos ainda mais escuridão para contemplar.
É noite. Ainda uma criança, eu. Cansada de tanto vazio que me cerca, encontro-te aqui. No meio de uma conversa, divagando sobre crenças e mais aquilo que te leva a querer continuar.
Debruçada, oiço-te. Hipnotizada, absorvo todos os gestos das tuas mãos. Todos os significados e significantes que elas me transmitem e desejo, tão-somente, tocá-las e entrelaçá-las nas minhas.
Há quem diga que não somos mais que meros adereços. Mas a nossa história é mais do que isso, apesar disso. Vivemos nela como aranhas numa teia. Em busca de algo. Pacientes na espera. Porque sabemos o que queremos e para onde ir.
É noite. Estou cansada. Sinto-te por perto. Dás-me as mãos e percorremos a calçada até o dia surgir.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Eu, ao longe.

Ao longe, vejo passar a imagem de quem eu fui. Miro-a e tento tirar-lhe um retrato. Mas não consigo.
Ao longe, passo eu como eu era. Lá longe, pretérito imperfeito. Perfeito demais e mais que perfeito que todo este presente, que todo este futuro que se avizinha.
E eu, a esta distância, consigo perceber exactamente o que o meu eu longínquo se prepara para fazer. Não o faças. Esquece esse caminho. Não vai dar em nada. Digo-lhe.
E ao longe, ecoam as minhas palavras e o meu eu parte. Não serve de nada. Sou eu quem ali vai, sou eu que daqui de longe me miro. E, se aqui estou é porque lá longe não me ouvi e não me consegui mirar neste tempo.
E nunca, nunca mais, ouso querer saber do meu destino. Quanto mais do meu passado.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Lixo

Pontuais como sempre, chegaram à rua os homens do lixo e eu, ansiosa como sempre, perguntei:
- Há lixo para mim?
Ao que, cabisbaixos, responderam:
- Não minha senhora, hoje não temos nada para si...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

É servido?

Há bocado vi um fantasma cá em casa. Convidei-o para jantar, mas ele não aceitou.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Variações sobre uma lâmina certa

Hoje não cortei os pulsos apenas porque não encontrei a lâmina certa.

Hoje,
Não cortei os pulsos...
... Apenas porque não encontrei
A lâmina certa.

Hoje (não cortei os pulsos apenas porque) não encontrei a lâmina certa.

Lâmina Certa
Lâmina Certa
Lâmina Certa
Lâmina Certa

Contudo, encontrei a lâmina certa para rapar os pêlos das axilas.

Há-de vir o dia!

Quando um dia ao chegar a casa estiverem à porta do prédio, para além das ambulâncias e dos carros da polícia, jornalistas de canais privados e outros tantos de jornais sensacionalistas, bem posso apostar o meu braço direito em como adivinho o que sucedeu: o meu vizinho de cima matou a mãe, ou a mãe matou-o a ele.
E, se acaso me entrevistarem, eu não vou dizer os clichés do costume, de que eram boas pessoas, vizinhos prestáveis, seres humanos excepcionais. Não vou mentir só porque apareço na televisão. Vou apenas dizer o que me vai na alma: bom para eles que finalmente deixaram de discutir sobre assuntos nenhuns e vão finalmente ter algum sossego, um na prisão e outro no caixão.

(este não era o post que tinha em mente para hoje, mas há horas que oiço mãe e filho a discutirem no andar de cima e começo a compreender certos crimes que se praticam entre quatro paredes)

domingo, 19 de abril de 2009

Os Depeche Mode são meus!

Sinto pelos Depeche Mode aquilo que senti pelos Onda Choc quando era miúda: quando editam um álbum, tenho que ir logo comprá-lo, não me importa mais nada. Tenho que o ter, porque os Depeche Mode, tal como os Onda Choc na minha infância, pertencem-me. Sou eu a dona deles e a razão pela qual eles continuam a fazer álbuns e a dar concertos.
Vem isto a propósito do novo disco dos Depeche Mode, que está aí prestes a sair, tipo hoje. Há sacanas que já o ouvem em casa há que tempos e depois dizem-me que não vale nada. Sádicos! Só ouvi o single e gostei muito, logo à primeira audição. Adoro a voz do Martin Gore que se ouve lá ao fundo da música. E adoro o Martin. É a paixão platónica mais fofinha que tive até hoje e que espero preservar durante muito tempo.
Por isso, amanhã lá irá a criança que ainda (sobre)vive em mim, toda contente, comprar o novo álbum. E desembrulhá-lo e lê-lo e ouvi-lo. E amá-lo. Porque há amores que não se explicam. Há músicas que por muito mal que soem às massas, são mesmo feitas à nossa medida.
E quem sabe se não é desta que tenho oportunidade de encontrar o Martin depois do concerto no Porto? Quem sabe se ele não me convida para uma bebida no bar do hotel? Quem sabe se perdida entre a minha timidez aguda e o meu inglês enferrujado não me sai da boca um corajoso e sincero: you're gorgeous!
(Dream on!... Dream on!...)


sexta-feira, 17 de abril de 2009

Tirem-me tudo, menos isso.

Hoje fui a mais uma entrevista de emprego e, ao pensar nos horrores horríveis que podem acontecer a um entrevistado, ocorreu-me que a pior coisa que me podia acontecer era dizerem-me: Se ficar com o lugar fica desde já avisada que tem que tirar esse buço.

Mentiste-me, eu sei.

Perguntei-te se tinhas saudades de algo ou de alguém. Disseste-me que não. E eu, ainda que desconfiada de tamanha mentira, desliguei a televisão, apaguei as luzes e fui dormir. Adormeci e sonhei exactamente com pessoas e lugares que não vejo há muito. Acordei com saudades dos sonhos que acabara de ter, das pessoas e dos lugares que acabara de sonhar. E, acabei por sorrir: senti a estranha satisfação de ter saciado este bichinho saudosista que existe dentro de mim.

domingo, 12 de abril de 2009

F E C H A D O

Volta amanhã, se fazes favor. Isto hoje está fechado. Não é por ser domingo ou feriado. É porque não estou cá. Fiz a mala e parti por aí, à procura de não sei quem. Talvez de um amante, talvez de um amigo. Talvez de uma cara nova que eu nunca tenha visto.
Volta amanhã, se fazes favor. Eu farei o favor de aqui estar à tua espera. Não porque seja segunda ou dia de expediente. Apenas porque não tenho para onde ir. Ou apenas porque não encontrei não sei quem.

Volta amanhã, se fazes favor. Peço desculpa pelo inconveniente.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Há dias em que gostava de voltar a ser pequena. De manhã ser acordada pelos meus pais e ter como preocupação maior lembrar-me de levar as barbies para brincar com as minhas amigas no recreio da escola.
Chego à conclusão que não sei lidar com a frustração e, muito menos, com a idade adulta.

domingo, 5 de abril de 2009

Acorda-me

Acorda-me de manhã, quando estiveres a sair de casa. Acorda-me mesmo que não saias de casa. Ando com os sonos trocados e, tudo o que te peço, é que me acordes à hora de acordar. A tua hora de acordar. A hora de acordar de todas as outras pessoas. A hora de quem não dá voltas na cama até amanhecer. A hora de quem tem mais do que fazer do que se entreter com sonhos ou pesadelos.
Acorda-me de manhã, peço-te. Mesmo que não estejas ao pé de mim quando acordares, imploro-te. Mesmo que a pessoa a quem dês os bons dias não seja eu, perdoo-te. Mesmo que estejas longe e sejas um lugar frio na minha cama, compreendo-te.
Não importa o fuso horário, nem o fuso sentimental. Não importa que as tuas manhãs sejam as minhas noites e vice-versa. Acorda-me de manhã, porque ainda é contigo que eu durmo.

Viva a Crise!

Tirei esta fotografia na Avenida da Liberdade, no passado dia 13 de Março. Viva a crise. Nem mais!

Arranja-me um Emprego

Tu precisas tanto de amor e de sossego
- Eu preciso dum emprego
Se mo arranjares eu dou-te o que é preciso
- Por exemplo o Paraíso
Ando ao Deus-dará, perdido nestas ruas
Vou ser mais sincero, sinto que ando às arrecuas
Preciso de galgar as escadas do sucesso
E por isso é que eu te peço

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Se meto os pés para dentro, a partir de agora
Eu meto-os para fora
Se dizia o que penso, eu posso estar atento
E pensar para dentro
Se queres que seja duro, muito bem eu serei duro
Se queres que seja doce, serei doce, ai isso juro
Eu quero é ser o tal
E como o tal reconhecido
Assim, digo-te ao ouvido

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Sabendo que as minhas intenções são das mais sérias
Partamos para férias
Mas para ter férias é preciso ter emprego
- Espera aí que eu já lá chego
Agora pensa numa casa com o mar ali ao pé
E nós os dois a brindarmos com rosé
Esqueço-me de tudo com um por-do-sol assim
- Chega aqui ao pé de mim

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Se eu mandasse neles, os teus trabalhadores
Seriam uns amores
Greves era só das seis e meia às sete
Em frente ao cacetete
Primeiro de Maio só de quinze em quinze anos
Feriado em Abril só no dia dos enganos
Reivindicações quanto baste mas non tropo
- Anda beber mais um copo

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

(um apelo que deixo com palavras sábias do grande Sérgio Godinho)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Obrigada senhora duma religião qualquer!

- Você tem amor. Muito amor. Vê-se no seu olhar. Vê-se na luz que transmitem os seus olhos. Você tem mesmo muito muito muito amor. Você transborda amor. Você é amor. Certamente que sabe que Jesus também é amor. Julgo que o perceba. Porque você respira esse mesmo amor. O amor de Jesus pelo próximo.
- Muito agrdecida minha senhora, mas agora tenho mesmo de ir tratar dumas coisas...

E pensei: isto de transbordar amor como o próprio Jesus transbordou quer dizer que me vou meter em sarilhos aos 33 anos?

(dúvida gramatical: diz-se tenho mesmo que ir ou tenho mesmo de ir?)

Prédios

Prédios cinzentos. Prédios amontoados. Prédios desfigurados, pelas marquises e pelo tempo. Marquises e mais marquises. Roupas esquisitas ostentadas sem pudor. Velhos decrépitos a espreitar pelas persianas dos quartos. Gatos colados às janelas, sonhando ser tigres. Bandeiras de cores esbatidas e tecidos rasgados, revelando patriotas em falência. Gritos anunciando a existência de vidas para além do betão. Para além do tijolo. Para além das suas próprias vidas. Luzes acesas. Luzes apagadas. Luzes fundidas. Alguém que bate com a porta. Um carteiro que se engana na morada. Uma ex-prostituta reclamando decência a quem passa. E a quem fica. Um jogo de futebol mal arbitrado. Um adepto mal humorado. Não sei quantos filhos mal paridos. Prédios de ricos. Jardins mal frequentados. Prédios de habitação social. Anúncios de vendas e arrendamentos. Flores murchas que não dormem. Nas varandas. Nos canteiros. Prédios abandonados. Prédios caídos. Prédios vencidos pelo tempo e pelo mau trato. Deixam desmoronar histórias de todos nós, para que outras histórias se ergam numa nova empreitada.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Obrigada Senhor Revisor!!

À saída da estação, sou abordada por um revisor-com-cara-de-quem-frequentou-o-famoso-Patriarche-em-princípios-dos-anos-noventa que me diz em jeito de revelação bíblica:
- Nesta primeira fase, mete aqui o cartão e faz compasso de espera... Já está! Pode Passar!
Confesso que a minha vida passou a fazer sentido. O meu cartão também. Já não me sinto sozinha no mundo. Obrigada CP! Obrigada Senhor Revisor!

Delírios

Comecei a delirar esta noite. E não delirei sozinha. A ideia partiu do amigo João e eu alinhei. Portanto, considero que estou a delirar conjuntamente com alguém, o que me faz sentir um certo consolo. Que isto de se delirar sozinha é lixado. O mesmo que o diga o João.
Delírios é o blogue que se inaugurou esta noite. Com textos meus a legendar as fotografias do João. Ou, por outro lado, com fotografias do João legendadas por mim. É tudo uma questão de perspectiva.
Abre-se assim um novo espaço na blogoesfera. Esperamos, eu e o João, que não se torne apenas mais um blogue. A ver vamos!
Convidamos a todos quantos nos lêem e vêem que se atrevam a delirar de vez em quando e nos visitem em http://de-li-rios.blogspot.com.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Águas...

A minha tarde começou bem: fui pagar a água aos Serviços Municipais de Águas aqui da freguesia. Uma tarefa chata, que me pareceu ainda mais chata quando me deparei com uma fila enorme à porta dos referidos serviços.
Tirei uma senha e fui beber um café no café da esquina, onde fui atendida por uma velhota muito simpática que até me desejou saudinha! quando eu saí. Regressada, arranjei lugar sentado na mínima sala de espera que existe.
Entretida a olhar para os meus vizinhos, devedores tal como eu, e para as paredes cheias de informações que não me dizem respeito nenhum, reparei num lindo papel, feito em word e decorado com um desenho de uma torneira a verter água colorida, que informava que os desempregados inscritos no Centro de Emprego desta zona tinham direito a uma quantidade valente de litros de água à borla. Quando digo valente, refiro-me mesmo a uns milhares de litros.
Chegada a minha vez, paguei a minha água e pedi mais informação sobre a soberba promoção feita aos madraços deste país. E a funcionária lá me explicou o que era necessário fazer para também ter direito e concluiu que os milhares de litros se traduzem em cinco meses sem pagar água.
Pelo sorriso da funcionária minha homónima, desconfiei que fosse uma partidinha sádica de dia 1 de Abril. Ou será que andamos muito generosos? Ah, já sei: é uma medida anti-crise mesmo a calhar em ano de eleições!
Por mim, venham elas: as medidas anti-crise em ano eleitoral. Eu nem sequer voto aqui...

Lisboa

Não sei por onde tenho andado, mas algo me faz crer que fui hipnotizada ou embruxada por alguém muito maquiavélico que me fez esquecer o quanto gosto de Lisboa. Hoje, finalmente, e talvez por me ter benzido sem querer, redescobri a cidade por entre bêbedos que cantam o "atirei o pau ao gato" e mendigos que se lembram de acertar os seus relógios de brincar no passeio mais movimentado.
Encontrei vistas do Tejo que não conhecia. Cruzei-me com pessoas belas e outras que nem tanto. Desviei-me de buracos, de caniches açaimados e de pedintes sem membros. Ri-me das melodias destes últimos e dos seus pregões gastos de tantas vezes que são ditos. E, involuntariamente, ouvi boa música tocada em plena rua.
Esquivei-me ao sol e, quando dei por mim, já tinha comprado dois bilhetes para um concerto e um dvd do meu amado Leonard Cohen. Voltei para o sol, para que não me sentenciasse falência em prol de qualquer coisa semelhante ao conceito de cultura.
Imaginei-me uma louca, daquelas que não têm rede e dizem tudo o que lhes vem à cabeça, sem reflectirem antes. E pensei: que diria eu acaso pudesse dizer tudo como os malucos? Olhei todos aqueles que ainda não morreram nos olhos. Olhos nos olhos. E, sem nada temer, sussurei-lhes em jeito de piropo: Sejam felizes!

Vai chatear o Camões!


Podes crer que vou, agora que até já sei onde é que ele pára!