quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Tudo se compõe

Tudo se compõe, agora que dois estranhos se abraçam a meio de uma viagem. Propósito: amparar as lágrimas de ambos. Resultado garantido, sem reclamações.
Tudo se compõe. O mendigo que te metia nojo, revelou-se teu amigo. Revelou-te segredos e também algumas duras verdades. Falou-te da árdua tarefa que é perceber sentimentos através dos rostos cansados que deambulam por aí, ao final do dia.
Tarefa estranha. Estranho ser. Afinal, o seu olhar esgazeado, significava apenas A Procura. Todo o seu sangue derramado, não significava nada. Ferimentos ligeiros, escandalosos.
Tudo se compõe. A linha do metropolitano sorri-te. Só a ti, a mais ninguém. A linha do metropolitano reconhece-te, aqui neste lugar ou noutra qualquer estação estrangeira. Seja qual for o teu percurso.
A linha sorri-te. Convida-te a saltar. Propõe-se engolir tristezas e esmagar problemas, os teus. E tu, aceitas. E, os estranhos que choram abraçados, assustam-se com o travar repentino da carruagem e abraçam-se ainda mais. E beijam-se.
Tudo se compõe. Tudo, nada significa. Grito de socorro.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Recomeçava do Zero

Começava do zero, sempre que se afundava em matemáticas. Recomeçava do zero, mas a tendência para esquecer os prefixos era óbvia. Afundava-se em questões gramaticais, também. Questões ortográficas. Questões semânticas.
Inclinava-se para as questões, de todas as formas e feitios e esquecia que estava apenas a recomeçar do zero. Somava, multiplicava, dividia e acabava subtraído. Subtraído até ao tutano. Até ser nada mais e nada menos que zero.
E congratulava-se de estar exactamente no meio de uma imaginária linha que separava o negativo do positivo, até ao infinito.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Há dias


Há dias em que não me apetece ler ou escrever, apenas olhar. Focar uma paisagem que me afecta ou transtorna, para depois desfocá-la e apreciá-la de novo.
Há dias, em que todas as imagens que valem mais que mil palavras, valem mais do que todo o significado da minha existência. E não precisam de ser fortes ou reais. Basta imaginar para logo me deter a contemplar.
Há dias, em que não me apetece ler ou escrever. Não me apetece trabalhar, nem tão pouco estar. Há dias em que me apetece somente olhar.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Nouvelle gothique

E agora, só preciso de vida. Depois de me ter deliciado na simulação da minha própria morte. Depois de ter sentido a sensação limpa de me banhar no charco do meu próprio sangue. Depois de me ter feito belos laços com as minhas vastas entranhas e de ter trincado tenros nacos dos meus próprios órgãos vitais. Depois de ter suspeitado que nada mais restava do meu corpo desfeito. Nessa suspeita, apercebo-me que afinal sobrou algo. Sobrou-me uma alma esfarrapada, mas viva. Uma alma exausta, mas sedenta de vida.
E agora, só preciso de vida. Nada mais do que vida. Empresta-me os teus pulsos. Estou pronta para regressar e não há pulsação melhor do que a alheia.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Acordo no exagero de ti
Tudo o que fui, deixei para lá do que era.
E o que eras,
Apenas foi uma hipérbole do que poderíamos ter sido.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

É feriado. Chove.

É feriado. Chove. Encontro-me sentada a ver os carros que lá fora passam. A água que salta para o passeio. A água que salta para cima de outros carros. Lá alto no céu, quando a chuva abranda, voam gaivotas que se riem de nós, seres inferiores.
É feriado. Chove. Encontro-me sentada a ouvir os carros que passam velozes lá fora. A ouvir o som que a água faz ao ser projectada nos passeios e noutros carros. Oiço a chuva que cai lá do alto do céu. E, quando esta abranda, consigo imaginar belas gaivotas a voar e a mirar o que se passa cá em baixo.
É feriado. Chove. E eu apenas consigo ouvir e ver o que lá fora acontece. Colocando-me lá fora também. Molhada. Sonora. Voadora.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Aquele

Ela não conseguia percebê-lo. Deitava-se a seu lado, acendia-lhe cigarros e dava-lhe festas nos cabelos. Mas não era suficiente. Nada era suficiente, tratando-se ele dele mesmo. Aquele que não pestanejava perante o ódio. Aquele que não tremia perante o amor. Aquele.
Aquele que era insensível a todo e qualquer altruísmo circundante. Aquele que não queria prestar-se a semelhante papel.
Mas ela sabia: bastaria cair a primeira folha de um promissor Outono, para que todo ele se transformasse naquele outro ser. Destronado, desmascarado e fustigado por sentimentos nostálgicos que não conseguia apagar, revelar-se-ia humano perante a chuva miudinha e o agasalhar de um casaco há muito esquecido no bengaleiro.
E ela aguardaria esse momento para lhe lembrar que aquele que se disfarça nas fogueiras e nos gelos doutras estações, tem parte da vida por resolver no seu coração.

domingo, 15 de novembro de 2009

Voltas

Não entendia como o mundo tinha dado voltas e tinha voltado ao seu lugar. Do costume. À hora marcada. Como sempre.
O pobre desgraçado, calcorreava as ruas e pedia cigarros a quem muito bem entendia pedir. Ninguém sabia. A cigarreira ia no bolso. Lado esquerdo, junto ao coração. Aí guardava religiosamente as suas cigarrilhas com suave aroma de baunilha. Aí tocava o crucifixo que pendia da corrente de ouro duvidoso, abençoando-as ao ritmo do seu caminhar.
O mundo e as suas voltas. Pensava. O mundo e as suas voltas que teimam e voltam a teimar. As coisas que passam de um hemisfério para outro. Os opostos unidos numa grande orgia glaciar. Pensava apenas, no mundo e nas suas voltas.
Crucifixo baloiçante. Cigarrilhas guardadas a cadeado de prata. Os cigarros alheios que sabem tão bem. As respostas tortas, os reprovadores soslaios. Todos juntos, nenhum mal lhe fazem. Concentra-se apenas na dor de pernas que tem. Nas subidas aqui. Nas descidas acolá. Nas corridas. Nas fugas.
O mundo foge de quem não lhe conhece os cantos. O mundo troca as voltas a quem não lhe compreende as voltas. O mundo é redondo, mas a rua que agora faz é plana. E aquela outra, também. O mundo não pode ser redondo. Não pode ter forma alguma. Deve ser abstracto.
Jornal gratuito na mão. Casaco desbotado. O pobre desgraçado encontrou um banco onde descansar. Procurou a cigarreira e sorriu. Falou para o Cristo da corrente de ouro duvidoso e, este último, concordou. Sabia que não estavam sozinhos, ele e os seus dois fiéis objectos. Sabia pelo cheiro que pairava no ar, que existia alguém por quem valia a pena continuar.
Levantou-se e não aguentou. Caiu, como se o mundo se tivesse voltado ao contrário e tivesse ficado de pernas para o ar. Morreu ali, a meio de uma passa numa cigarrilha com suave aroma a baunilha. A meio de uma conversa com um Cristo que não se fartava de baloiçar. Morreu antes de ter percebido que o mundo lhe tinha trocado as voltas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Rammstein e Eu

Era eu uma 'chavala' de cabeça-rapada-em-Dezembro, ou estava prestes a fazê-lo, quando ouvi pela primeira vez Rammstein. Du Hast. Fiquei doida porque era mesmo aquilo que eu procurava: electrónica aliada a um som de peso, que não conseguia decifrar muito bem e que ainda hoje tenho dificuldade em classificar somente como industrial ou meter ao industrial um sufixo gótico.
Era eu uma 'chavala' de cabeça-rapada-em-Dezembro, nos seus píncaros ou estava prestes a fazê-lo, quando duas amigas - daquelas que só se encontram uma vez na vida e a quem agarramos a mão com tanta força que nos é difícil aceitar que um dia seguirão caminhos opostos aos nossos - me ofereceram o Senhsucht, álbum que ainda hoje me faz pular de alegria de cada vez que o meto a tocar.
Os anos passaram. O cabelo rapou-se finalmente em Dezembro, o piercing no sobrolho foi feito, o cabelo voltou a tombar pelos ombros, a cobrir-me as costas. O piercing saiu. O piercing voltou. E o cabelo, esse deixou-se crescer e cortou-se à medida das necessidades visuais e duma adolescência e idade adultas repletas de boa música e rodeada de bons amigos.
Dei as mãos a quem mas estendeu graciosamente e larguei as mãos de quem estava farto do calor das minhas. E, finalmente, chega a almejada oportunidade de os ir ver ao Pavilhão Atlântico, naquela que foi para mim - e para todos os outros que lá estiveram presentes - a noite mais quente desse distante Novembro.
Dessa noite recordo o calor que nos atingia, vindo dos lança-chamas e demais artefactos pirotécnicos usados em palco. Recordo um vocalista que esbanjou energia e um público que humildemente 'arranhou' alemão para poder retribuir, nem que fosse apenas cantando em uníssono refrões simples. Recordo um final extraordinário com um bote a passear-se na plateia, enquanto era tocada uma versão maravilhosa (há poucas meus caros, muito poucas assim!) do Stripped dos meus adorados Depeche Mode. Finalizou-se assim um fabuloso concerto e o tempo avançou com as suas horas, dias e...
... Os anos voltaram a passar, teimosos e sacanas. Recordou-se, durante o passar desses mesmos anos, em numerosas conversas de café, o bom que era repetir aquela experiência, do bom que foi aquele concerto para nós seres privilegiados e abençoados. E, o cabelo voltou a crescer, os piercings a mudar de lugar, os amigos a agarrar e a soltar-nos as mãos e tudo se repete: Novembro, Rammstein e a promessa de muito calor.
Foi no passado Domingo, que se repetiu um bom concerto. Um iniciar de espectáculo com um partir de um muro, que para muitos dos presentes simbolizou o próprio de Berlim, ou outros muros que lhe deviam seguir o exemplo. Para outros nada significou para além de mais uma excentricidade 'rammsteniana'.
Ouvi tudo o que queria ouvir, mas não vi tudo o que queria ver. Mesmo que a pouca distância do palco, este foi mais um concerto em que tive uma praga de cabeçudos à minha frente. Mas acho que aprendi a lição e se as botas militares com sola dupla não são suficientes, passemos aos sapatos de salto que as senhoras costumam usar. Ou cheguemo-nos mais à frente e coloquemo-nos inoportunamente à frente de pessoas com menos 20 centimetros que nós.
Não há muito a acrescentar: foi Novembro, foi Rammstein. Foi a energia de sempre, o espectáculo de sempre e a música que fica para sempre. Só nós vamos ficando mais velhos.

Para finalizar, deixo a música que ficou a faltar no alinhamento deste Domingo, mas que tenho ouvido em repeat enquanto atravesso o Martim Moniz. Prometo que não há nenhum trocadilho barato acerca desta zona de Lisboa e o nome da música! (como sou boazinha, deixo uma versão legendada em inglês)

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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Caminho

Há quem, nos autocarros, ostente cartazes feitos de cartolinas, visivelmente danificadas pelo tempo, com palavras de ordem escritas a sangue. Dessas palavras de ordem, vou morrer aqui é o que mais se lê. Há quem implore um ombro onde chorar e há quem grite por um abraço ao final do dia.
Há quem, nos autocarros, se detenha nos vidros maravilhado com o seu próprio reflexo. Há quem mande sinais de vapor para o exterior. Há quem se contente com um S.O.S. em código morse.
Passo ao lado da paragem. Reconheço os rostos e os cartazes daqueles que estão prestes a começar mais uma viagem. Detenho-me num rosto triste que grita Quero atenção! e perco-me na imensidão dos olhos que me segredam eu já fui feliz.
Mas caminho. Caminho porque nada mais há a fazer. Caminho ao lado da estrada, por um estreito passeio mal empedrado. Já sem os meus velhos cartazes, abafo os meus gritos desassossegados e entrego as palavras de ordem a quem queira fazer uso delas.
Sei o seu caminho de cor - do autocarro e dos seus passageiros permanentes - e percebo que não preciso mais de empunhar cartazes e desafiar os rostos que lá longe espreitam essa estranha demonstração de humanidade, que lá em baixo observam perplexos essa estranha viagem.
Agora. Desde há muito e principalmente agora. Sei por onde vou. Sei quem sou. E se por algum infeliz acaso me enganar no caminho, o mais provável é ir parar a um velho atalho meu conhecido, daqueles onde um dia ousei perder-me e aquecer-me no fogo quente dos cartazes usados, das palavras gastas e dos rostos obcecados.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Bem e mal

Bem fica aquele que não quer ficar,
Mal parte aquele que não quer partir,
Bem espera aquele que soube esperar,
Mal desiste aquele que só soube desistir.

Bem e mal,
Quero partir com a promessa de voltar,
Quero ficar sem para sempre ter que ficar,
Quero esperar por aquilo que hei-de alcançar
E não quero desistir daquilo que não hei-de conseguir.

Para o bem e para o mal,
Para o mal que me faz o bem
E para o bem que me faz o mal.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Um Segredo

Promete que me guardas um segredo. Um segredo bem guardado, a cadeado. Um segredo desconfiado, das paredes que têm ouvidos, das línguas feitas de trapos. Segura-o com carinho, não o deixes escapar, não o deixes espalhar-se pelos sete ventos, pelos quatro cantos do mundo. Um segredo numa mão fechada ou numa boca fechada, nas tuas. Promete que mo guardas com a mesma convicção com que me aguardas. Com a mesma força com que fechas as mãos e a boca e prendes as coisas que me queres dizer. Promete-me um segredo no meu regaço. No teu abraço. No nosso sonhar.

Abriu a Época...

... Das ressurreições blogosféricas. Seguindo o exemplo do meu grande amigo Bruto, ressuscito aqui e agora o Coisas Gordas e Más, para que ele não se sinta o único ressuscitado da vizinhança.
A seguir, segue-se uma reunião de trabalho com o João (que pretexto maravilhoso para se almoçar num bairro típico de Lisboa!), para ver se juntos reanimamos o Delírios (blogue à base de textos de um e fotografias doutro).
Felizmente, o único blogue das imediações que não precisa de uma Páscoa fora de época é o meu querido Carapuça Productions, que está muito bem de saúde e ao qual aconselho várias visitas, porque uma só não chega.
Restabelecendo as funções vitais deste blogue, comemoro então aqui e convosco a abertura oficial da Época das Ressurreições Blogosféricas: cheers!!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Pensava-me morta

Pensava-me morta. Quase morri. Bati certamente às portas da morte e, por sorte, ninguém atendeu.
Julguei-me então moribunda. Houve quem me desse a extrema-unção. Houve quem me chorasse aos pés da cama. Houve quem me tirasse medidas e até houve quem me encomendasse o caixão.
Encontrei-me adoentada, agasalhada com todos os cobertores que conheci. A cabeça a doer e o coração também. Os dias a quererem-se para lá das portadas sempre fechadas. Os lenços de papel a cobrirem o chão e a febre, sempre teimosa, a inundar-me os sonhos de imagens surreais.
E afinal... Afinal estava viva e só não me apetecia viver.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Percebi então que não nos basta o arrepio na espinha aparecer para que tudo o resto se resolva. Hoje guardo as palavras que não disse e reinvento-as de cada vez que encontro um vulto que se assemelha à última vez que te olhei, envergonhada por não ter coragem de to dizer. Hoje, busco em todos os recantos do nosso amor, as palavras que se disseram por engano, as palavras forasteiras. Procuro-as como se delas dependesse a minha salvação eterna. E mais não encontro senão um vago retrato do que nós poderíamos ter sido. E, irremediavelmente, não fomos.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Melhor que Peixe

O avô do Miguel sempre que bebia um bom conhaque dizia que era melhor que peixe.
Miguel, levou anos a perceber que o conhaque que o avô dizia ser melhor que peixe, simplesmente o era porque não tinha espinhas.
Até que um dia o pobre Miguel, já casado e com filhos, lembrou-se que existiam filetes, prontos a comer e sem sombra de espinhas.
Mas o avô já tinha morrido e desses tempos, apenas lhe restava uma garrafeira onde, curiosamente, não sobrava nenhuma garrafa de conhaque.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Strange Days ou simples dias animais

Antes de sair de casa, apanhei o meu vizinho a urinar no seu quintal. Nada a assinalar, se não fosse o facto do seu quintal estar ligado ao meu, devido à ausência de muro. Ou não fosse ele ter saído propositadamente da sua casa para aliviar a bexiga mesmo ali, a escassos metros da minha pessoa e onde, minutos antes, tinha estado o meu cão a urinar também.
De repente, lembrei-me daquele filme-estúpido-de-domingo-à-tarde em que um homem tem instintos animais e pensei que talvez fosse o caso, por várias razões: ter saído de casa para ir fazer o seu chichi no quintal; ter feito no exacto sítio onde faz o meu cão e alguns gatos forasteiros; ter sacudido as últimas gotinhas para o meu quintal, de frente para mim e olhando-me fixamente enquanto eu fechava apressadamente a porta (até o meu cão é menos promíscuo!).
Perguntei-me: onde é que esta gente pensa que vive? E a resposta foi óbvia: Queluz, Sintra, Portugal. Que podia muito bem ser: Amora, Seixal, Portugal ou Monte Gordo, Vila Real de Santo António, Portugal. A ideia é que em qualquer parte do nosso país há exemplares da nossa espécie que deviam estar enjaulados em troca da libertação de uns quantos hipópotamos e outros tantos abençoados animais.
Ainda há dias, vi uma mãe a felicitar a sua filha por esta ter cuspido no chão, justificando que toda e qualquer ranhoca devia ser expelida. Muito bem, senhora mãe! Outra, entrava no supermercado e açambarcava as cerejas com todas as mãos e boca porque "estavam apetitosíssimas" e incitava a sua pequena cria a comer também umas quantas. Outra, diz ao filho para não andar de costas porque isso é chamar o Diabo...
Claro que com modelos de educação destes em que uma mãe acha normal o cuspo no chão e o free-self-service e um pai mija aos cantos da casa e leva com o jornal quando não pede para ir lá fora fazer as necessidades, uma criança - um cidadão em fase de aprendizagem da cidadania e, quem sabe, um futuro dirigente político deste nobre país - não conseguirá perceber nunca o que é viver em sociedade e que coisa é essa que os pseudo-intelectuais apelidam de educação. E depois é o que se vê, basta ligar a televisão no tempo de antena.
Veio isto tudo a propósito de, até ao dia de hoje, ter tido uma certa fobia aos pombos, por os considerar ratazanas com asas: nojentos, feios e transmissores de doenças. Apenas até hoje, o fatídico dia em que vi o animal do meu vizinho urinar no quintal e, chegada ao trabalho, fui visitada por um pombo, meio-perdido, pelo qual senti logo uma certa simpatia, simpatia essa que progrediu à medida que o observava a ajudar-me na limpeza do chão e a fazer graçolas frente ao espelho.
... "E vem-nos à memória uma frase batida": Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto dos animais (até dos mais nojentos).

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Fora da Grande Tela

O táxi pára. Pedes-me um euro para ajudar a pagar. Dou-to e saio, depois de dar uma última vista de olhos no banco e no chão da viatura. Tenho medo de ter deixado para trás alguma coisa. Sais logo a seguir a mim. Segues-me os passos. Imitas-me a velocidade. Está frio e os nossos vapores fundem-se quando ambos nos olhamos e dizemos banalidades.
Apaixonas-me. Os teus gestos e a tua boca. As tuas palavras e as tuas mãos. O teu olhar que se dirige, meigo e hesitante, na direcção dos meus lábios. Há muito que te procurava e agora, finalmente, poderemos percorrer aquele caminho que ambos sabemos onde vai dar. Sinto-me no final feliz duma qualquer comédia romântica e não me importo.

Mas a realidade é outra. Os filmes estão presos nos cinemas e nas televisões e o amor com eles. Não há táxi nem trocos, muito menos frio que nos faça expelir qualquer vapor das nossas bocas. Não há noite em que tenha embarcado na tua companhia. Apenas dias em que te sonho e que te pressinto. Apenas uma estranha sensação de te vir a conhecer e abraçar num dia cinzento e fresco, de um belo e nostálgico Outono. Fora da grande tela.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Pombos

Nesta cidade, os pombos andam por toda a parte mas têm lugar certo para morrer. Assim como eles, também os homens vagueiam pelas ruas e estão por toda a parte. Os seus rostos multiplicam-se por outros rostos. E é fácil encontrá-los, seja na rua mais suja, seja no autocarro. Aos homens e aos pombos.
E, tal como todos os outros seres, morrem. Em lugar certo e previamente escolhido. Mesmo que inconscientemente, todos eles - homens e pombos - sabem onde querem morrer e onde lhes é dada essa oportunidade. Chegados a hora e local certos, dão o último suspiro e deixam que o resto aconteça: um carro lhes passe por cima, o coração pare, a doença vença.
Dos pombos, jazem os seus corpos cinzentos-escuros de poluição nos canteiros do jardim, junto a alguma tampa de esgoto ou num qualquer carril ferroviário. Dos homens, jazem os seus corpos descolorados em cemitérios que antes fossem jardins ou esgotos.
Pouco ou nada os distingue ou os separa, aos homens e aos pombos. Ambos preenchem as cidades, os jardins. Ambos transmitem doenças e ambos deambulam na vida com semelhantes certezas e demandas de quem vive por instinto.

sábado, 12 de setembro de 2009

Por onde?

Onde me perco eu, que não me encontro? Onde te busco, que não te vejo, nem cheiro, nem oiço? Por onde tenho andado eu, que caminhos terei descoberto enquanto me e te procurava?
À noite, tremendo debaixo de lençóis esbranquiçados, encontrarei a razão que me trouxe até aqui. Então, preferirei todos os outros medos e pesadelos, que se vivem de olhos abertos em plena luz do dia, ao suor frio que irei suar. Aos dedos trémulos que prenderão a roupa da cama. Aos sons que de perto me rondarão, e que não serão ratos, nem ladrões, nem tão pouco almas deste mundo.
Mas só à noite saberei onde me encontrar, onde te buscar, onde nos procurar. Só à noite descobrirei que o onde que me perturba e intriga, é o sítio onde sempre me detive para pensar em nós.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Beco do Imaginário


Onde morei um dia. Onde morarei um dia. Onde tu moravas e eu não sabia. Beco do imaginário do meu pensamento. Canto perdido e escondido, onde moramos os dois, desde sempre e para sempre.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Hoje voltei a vê-lo, o homem do turbante vermelho. Puxava uma corda e dizia adeus às coisas bonitas da vida.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O homem do turbante vermelho

Desce o andaime. São dez da manhã e todo ele é suor. Todo ele e todos os outros. Limpa as mãos, enluvadas, no turbante. Alguém espirra e ele foge. Para muito longe. Jamais voltará, todo ele, a ser suor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Algures...


... Entre o céu e a terra. No Porto.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Pensamentos

As pessoas detêm-se no passeio, a olhar para o carro que está a ser rebocado pela polícia. Ao cimo da rua, surge uma ambulância. Alguém menos atento, pensa que a mesma vem em socorro do carro rebocado e dos prováveis mortos resultantes do acidente contra a montra da loja chinesa. E excita-se.
Aquele taxista qualquer dia vê quem é que manda aqui, murmura o sem-abrigo e atravessa apressadamente a rua, quase derrubando três adolescentes muito produzidas. Do outro lado, espera-o um copo cheio de tinto: o primeiro da manhã. Ai como o primeiro me sabe bem!
Os pensamentos ouvem-se alto. Ouvem-se e confundem-se com as conversas de esquina, das mulheres das mercearias, dos homens das drogarias. Os pensamentos tristes sobem pelo ar e ficam presos nos fios de electricidade, à espera que alguém os chame de novo para mais uma volta. Os pensamentos felizes, sorriem nos lábios das pessoas, nos olhos brilhantes, nas mãos dadas que transpiram.
Algumas pessoas, aprendem a viver com os seus pensamentos e outras ignoram-nos, acreditando que nunca pensam em nada. Estas últimas, acreditam também que nada as detém e nada as atormenta. Como se não pensar em nada fosse uma dádiva, à semelhança do que acontece quando nos livramos de uma quinquilharia que temos a mais na sala.
Combatendo o descuido dos seus donos, os pensamentos esquivam-se e vivem por aí nas ruas, ao deus-dará. A mendigar amor e compreensão. A chorar e a rir e a fazer de conta que está tudo bem.
No entanto, basta uma sirene soar no ar ou um guinchar de pneus para que as pessoas voltem a pensar, sobretudo se a desgraça for das boas. E basta que a sirene se desligue e o carro continue a sua marcha, para que voltem a deixar escapar os seus pensamentos e regressem leves às suas rotinas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A prostituta

As pessoas riam-se ao assistir ao espectáculo protagonizado pela prostituta mais os seus artefactos, supostamente sensuais. A própria prostituta ria-se de si mesma e desse espectáculo decadente que encenava. Tinha-lhe sido difícil ensaiá-lo e mais difícil ainda era representá-lo com naturalidade, mesmo após tantos anos de prática.
No final, as pessoas riam-se ainda mais, enquanto metiam mais umas notas no cesto que circulava pela audiência, num misto de caridade e demência.
No final, a prostituta recolhia o dinheiro e tomava consciência do quão ridícula a sua vida se tinha tornado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Assumo-o sem pudor

Sou uma mulher de redundâncias, de pleonasmos redundantes e de redundâncias pleonásticas.

Blogue morto, blogue posto.

Já houve quem me sugerisse, com alguma razão, que eu devia matar o blogue e fazer um completamente novo e renovado, pouco divulgado para evitar as pessoas susceptíveis de se ofender com um palavrão ou com uma ideia mais perversa.
Se, por um lado, sinto que os meus textos são interpretados de uma forma que nada tem a ver, por outro lado, sinto-me tentada a tornar o Coisas Gordas e Más num cantinho de má-língua e lavagem de roupa suja... mas eu não sou dessas e não me posso deixar levar pela conversa de um qualquer anormal que me meta os nervos em franja de tão estúpido que é.
Por isso, vou levar o blogue até à praia e deixá-lo correr à vontade na areia. Se for ao mar tomar um banho, eu não o vou vigiar. Se morrer afogado, tanto melhor. Crio outro, que este já está velho e anda muito mal frequentado.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

30

Não é o número. Não é a idade. Não são os 18 anos que já lá vão. Não são os primeiros cabelos brancos que aparecem. Não é a pele que dá os primeiros passos no processo de envelhecimento. Não são os amigos já casados e com filhos e os outros tantos bem instalados profissionalmente. Não são as contas que obviamente se fazem ao tempo que passou e ao tempo que passará. Não são as oportunidades perdidas e o que não se fez. Não são as cadeiras vazias na mesa de esplanada. Não são as noites passadas em casa. Não são os amantes errados e as paixões platónicas eternas. Não são os sonhos cada vez mais amargos. Não é a sensação de que tudo continua exactamente na mesma.
É tudo o resto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Este Papá que vos fala

É o mais recente livro de Alexandra Solnado e promete revelações que o próprio Jesus Cristo se recusou a fazer durante os serões passados na cabeça da autora.

sábado, 8 de agosto de 2009

O tempo passa depressa, é um facto.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

João, o Neogótico

Desce apressadamente a rua de mãos nos bolsos, ao som do seu mp3. O dia está bonito e não há tempo a perder: não tarda o sol aparece outra vez, o que é que se pode esperar do Verão? Contempla o céu cinzento matinal e segue o seu caminho.
Veste t-shirt cor-de-rosa e tennis brancos, de marca. Coisas de mãe, querer ver um filho bem vestido e bonito, sem aquele ar depressivo que lhe dá o negro. Não há muito a fazer quanto a isso e as roupas que recebe no Natal até lhe dão algum jeito: os trajes negros de outrora já não lhe servem. As botas militares, sempre limpas e brilhantes, foram-lhe confiscadas pelos avós. Do seu passado, nem a aparência. Contudo, é hoje que se assume neogótico.
João, o Neogótico, engordou. Culpa dos medicamentos de psiquiatria que anda a tomar. Ou apenas da milagrosa injecção quinzenal. João, o Neogótico, tentou mas não encontrou outra via para a resolução dos seus problemas, porque estes vão muito para além de não ter amigos ou de ter feito as amizades erradas. O cérebro humano é uma grande máquina, complexa e díficil de compreender. Nem tudo o que vem nos livros é verdade, sabe-o bem.
João, o Neogótico, chega ao seu destino: um pequeno recanto do jardim municipal. Ali está sozinho e quieto, a sentir a brisa da manhã. Ali, sonha que é elegante e que está fardado para uma qualquer festa underground, lendo avidamente um livro de Allan Poe enquanto espera a sua amada. Ali tudo faz sentido. Tem novamente 18 anos e todo o mundo, mesmo que muito negro e depressivo, está aos seus pés.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Luz da Entrada

Deixei a luz da entrada acesa toda a noite. Os vizinhos devem ter estranhado, ou talvez não. Devem ter-me julgado aterrorizada pelo facto de viver sozinha, ou apenas comentado que se continuasse assim, não ganhava para a conta da luz. Ninguém suspeita que foi sem querer, porque fazê-lo involuntariamente não tem piada nenhuma. Não dá azo a comentários, nem a falatório.
Deixei a luz da entrada acesa, porque me esqueci completamente de que a tinha ligado para que tu pudesses sair, com as tuas coisas, sem tropeçar em nenhum degrau. Quando te vi passar a porta do prédio, vim para dentro e desliguei todas as outras luzes. Enterneci-me com a sensação de estar sozinha num mundo que só a mim me pertence: a minha casa. Esqueci-me de tudo o que me rodeava. Perdi a noção do tempo, sentada e estática numa qualquer divisão.
Quando acordei deste estado, era tarde e estava sozinha. Ninguém respirava por aqui. Ninguém ocupava espaço algum. Só eu e o tic-tac de um relógio velho de cozinha. Só nós os dois e um bater descompassado de coração. Inspirei o suave perfume de incenso que ainda pairava no ar e adormeci, alheia a uma luz que deixei acesa.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Mr. Cohen, I'm your fan!

Quando dei por mim, tinha-me levantado da cadeira e, com os polegares enfiados nos bolsos da saia, balançava o meu corpo suavemente para a esquerda e para a direita ao som duma das minhas músicas favoritas: "First we take manhattan".
Dando-me conta que estava a fazer exactamente aquilo que noutros concertos via os trintões e trintonas fazer, percebi que estou prestes a fazer os trinta e que a idade traz-nos destas coisas. Ainda enfiei mais dedos nos bolsos, mas já não consegui disfarçar: assumi-me esta noite pré-trintona com orgulho!
Mas não era isto que queria contar. Queria falar do grande senhor que é Leonard Cohen e como ele consegue surpreender, mesmo quando um concerto é praticamente igual ao que se viu há um ano atrás em Algés. Mas isso já toda a gente sabe ou, pelo menos, deveria saber.
Sala cheia. Lugares sentados. Uma plateia Vip cheia de caras de gente desconhecida, pelo menos para mim. Actrizes de novelas da TVI que só a muito custo consigo dizer "aquela cara não me é completamente estranha" enquanto tento focar a vista e me cruzo com um Pedro Abrunhosa vaidoso, de calças brilhantes e óculos muito escuros que, certamente, vive invejoso de ver alguém aos 74 anos ser conhecido para lá de Badajoz.
Da pequenez artística existente em Portugal, não falo. Deixo para depois. Apesar de não me referir à mesma no sentido de achar os nossos músicos maus, antes pelo contrário: há muitos bons músicos em Portugal, incluindo o Abrunhosa. O problema reside em viverem um eterno complexo "Peter Pan" e não conseguirem lidar com isso de maneira nenhuma.
Passando à frente: este foi, muito possivelmente, o último concerto que vi de Leonard Cohen. Mas para quem pensava, há meia dúzia de anos, que nunca o iria ver ao vivo, imaginando-o reformado a ler o jornal à beira-mar, sinto-me privilegiada. Muito mesmo. E mais ainda se deve sentir a minha amiga que o viu o ano passado quando, poucos meses antes, o julgava morto.
Há artistas que com o passar dos anos perdem os seus dotes vocais, mas o senhor Cohen não. Ganha-os. Se ele continuar a fazer concertos, espero vê-lo daqui a 10 anos, para comprovar esta minha teoria. Para isso e para matar saudades de um homem extremamente simpático e humilde em palco, que tira o chapéu quando ouve os outros músicos e a quem brilham os olhos quando recebe uma ovação.
Num ano em que não fui a muitos concertos e que sofri na pele um segundo cancelamento dos Depeche Mode, sinto-me mesmo assim feliz e completa, muito graças ao concerto desta noite. Thank you, Mr. Cohen! I'm your fan!

P.S. - O palco estava coberto com tapetes, deixando deste modo uma ideia/conselho para o Dave Gahan dos Depeche Mode: aprende com os mais velhos e mete tapetes no palco para evitar essas tristezas que te têm acontecido ultimamente! Raio dos putos!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Estive Ausente

Porque com a ameaça mundial - e quem sabe até interplanetária! - de Gripe A, fiquei com medo de morrer e preferi evitar a contaminação blogosférica (nunca se sabe quem é que visita o nosso blogue). Entretanto, aproveitei este tempo para assinar contrato com o jovem (senti-me tentada a tratá-lo por "jovem promessa") que irá mascarar-se de soldado nazi e fazer caniches com balões no meu funeral.
Escolhi um jovem de 9 anos de idade, que vive isolado num monte alentejano, nunca foi à escola e só se alimenta do que a terra dá. Há fortes probabilidades de, mesmo que a gripe não me ataque e eu morra de velha, este jovem continuar vivo e poder cumprir o meu desejo surrealista mais votado neste blogue.
Entretanto, reparei que perdi um seguidor. Fiquei triste, mas a vida continua. Afinal de contas, decidiu seguir-me durante este período em que desenvolvi a gripafobia, tendo sido - obviamente!! - o momento menos oportuno para o fazer. Devia ter aguardado mais uns dias, mas a vida agitada de seguidor é assim mesmo. Adeus Ed Costa e descansa em paz, onde quer que estejas!
A todos os outros, as minhas desculpas por esta ausência e o meu agradecimento pelos votos no "gajo mascarado de soldado nazi a fazer caniches com balões". Da minha parte, prometo ser mais assídua e desejo, do fundo do coração, que a comunicação social se recorde da Casa Pia ou doutros casos escandalosos do nosso país e se deixe de notícias alarmistas sobre pseudo-pandemias.

Cultura Pop

Quase que aposto que o vizinho que está a ouvir um dos mais complexos temas do Emanuel, o "Pimba Pimba", é o mesmo que logo a seguir à morte do Michael Jackson ouviu sem parar o "Thriller".

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A poesia das pequenas coisas

Repara na poesia das pequenas coisas. No pequeno Santiago que não quer dar a mão à mãe e na pequena Beatriz que está desejosa de chegar a casa para dormir uma sesta. Nos nomes e nos rostos destes, que se repetem e se multiplicam por milhares, nas creches e nos lares. Repara na senhora que traz um lenço na cabeça e que lê um pequeno livro com caracteres que desconheces o significado: será um romance ou um policial?
Repara no teu rosto ausente, reflectido nas montras. Nos teus pequenos olhos, assustados e ao mesmo tempo curiosos. No teu corpo ainda jovem, fardado para a vida com a mesma farda que usaste tantas vezes, em pequenas grandes guerras, reclamando paz. Repara nos pequenos sinais que a tua pele ostenta. Nas pequenas cicatrizes. Nos pequenos recantos, outrora beijados por grandes seres.
Repara no pequeno fio de luz que inunda o teu quarto de manhã. Como ele te acorda anunciando que é mais um dia e que tu estás cá para o contemplar. No sabor da água quente que no banho escorre pelo teu rosto. No cheiro do teu perfume misturado com o perfume de quem te abraça e te dá os bons dias.
Repara na voz de quem te liga, só para saber se estás bem ou por onde tens andado. E nada mais. Nas pequenas frases simples que não querem dizer nada mas que significam muito mais do que a própria explicação dos sentimentos.
Repara em tudo, não negligencies nada. Tudo o que de mais pequeno te possa parecer, é muito. É grande. As tuas pequenas coisas, são versos, pequenos versos, que rimam entre si e que juntos se transformam num grande poema: a tua vida.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vivo nos subúrbios

Vivo nos subúrbios. Onde se cozinham racismos e xenofobias. Onde se praticam crimes e preconceitos. Onde se fabricam garotos auto-suficientes e descrentes de todo o potencial que encerram.
Vivo nos subúrbios. Onde param comboios com destino certo. Onde se assiste à miséria com a mesma impavidez que se assiste à riqueza. Onde se crê que nada para além disto existe, nem para o bem, quanto mais para o mal.
Vivo nos subúrbios. Onde a brisa fresca da tarde tresanda a álcool fétido e a suor nervoso de mais um dia de trabalho. Onde as discussões começam quando as portas e as janelas se fecham. Onde vidas mandam noutras vidas, até as anularem.
Vivo nos subúrbios. Onde tento abstrair-me da solidão que me cerca.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Seguimento lógico

Em primeiro lugar, sofre-se a frio, à custa de muita lágrima e insónia.
Em segundo lugar, vai-se à ervanária buscar produtos naturais adequados à situação.
Em terceiro lugar, deitam-se os produtos naturais fora e experimentam-se alguns anti-depressivos prescritos pelo médico de serviço na urgência do hospital.
Em quarto lugar, consulta-se um professor de origem africana ou uma velhota simpática que saiba ler nas entrelinhas da tristeza.
Por último, tomam-se umas mezinhas e chega-se à conclusão que tudo não passava de um mau-olhado.

sábado, 20 de junho de 2009

Brainjacking

Venho por este meio informar que fui vítima de brainjacking. Brainjacking é um crime violento cujo grande e único objectivo é, tal como o nome indica, roubar cérebros.
Ainda não refeita do cuecajacking, algo que me custou uns quantos euros em reposição de stock de cuecas cá em casa, dou por mim apanhada por meia-dúzia de larápios, bem vestidos e de oculinhos bem à moda do melhor marrão da escola, a fazerem-me frente num beco escuro, ameaçando-me e batendo-me sem dó nem piedade (em todo o lado menos na cabeça), até conseguirem sacar um dos meus bens mais preciosos: o cérebro.
Sei que há cérebros e cérebros e que o meu não é assim grande coisa, mas é o único que tenho. E, garanto, se me tivessem deixado colaborar, eu teria indicado cabeças mais interessantes e valiosas que a minha, que no fim de contas é apenas mais uma com massa cinzenta vulgar, revestida de tudo o que é mais vulgar num ser humano e com um conteúdo pouco interessante da perspectiva do marrão da escola ou do pseudo-intelectual de um qualquer quadrante político, seja ele de que extremo for.
E assim, deixando-me perplexa, completamentamente indefesa e sem cérebro, sem forças para me mexer ou para berrar socorro nesse mesmo beco escuro, fiquei eu sem cérebro, o que é uma verdadeira maçada*. Ou, numa versão optimista da coisa, uma verdadeira oportunidade para me desculpar sempre que não me apetecer fazer coisas como pensar, andar, comer, falar ou até mesmo viver.
E nisto tudo, tenho saudades dos cuecajackers. Cuecas há muitas e baratas e a coisa até se levava, no final de contas, mais-ou-menos bem, apesar da idiotice e da violência. E pergunto-me: para quando o sadnessjacking? É que ele há dias que eu até pagava para me roubarem as tristezas à base de murro e pontapé...

*na versão original, escrevi massada em vez de maçada... cuidado: a burrice e a iliteracia são uns dos primeiros sintomas das vítimas do brainjacking!

terça-feira, 16 de junho de 2009

Saudades de um bicho

Tenho saudades de um bicho gordo e peludo e branco e surdo. Tenho saudades do seu guizo. Tenho saudades de o ver à janela, como quem não quer a coisa, à espera que alguém apareça. Tenho saudades das sestas que dormia com ele. Tenho saudades dos seus bigodes a roçar na minha cara para me acordar. Tenho saudades das suas asneiras: das idas para cima da mesa-de-cabeceira, dos tapetes fora do lugar. Tenho saudades das suas brincadeiras com o cão. Tenho saudades dos seus ronrons e dos seus miaus. Tenho saudades de ter a roupa preta cheia de pêlos brancos. Tenho saudades de muitas outras coisas que não consigo enumerar.

Tenho saudades de um simples gato. De um simples gato que, conjuntamente com um simples cão, me fez descobrir que o amor vai muito para além de seres e raças. Que me fez assumir a certeza de amar os meus bichos de quatro patas, muito mais do que muitos outros de apenas duas.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Funeral

Tal como as restantes pessoas presentes no cortejo fúnebre, ao ver o carro funerário chegar à porta do cemitério, não conseguiu esconder a felicidade que era vê-lo finalmente morto e enterrado.

sábado, 13 de junho de 2009

O baile

Acabados de acordar, apertaram as mãos, desejaram boa sorte e saíram. Lá fora, respirava-se um dia radiante de primavera: o sol brilhava fresco e as andorinhas preparavam atarefadamente os seus ninhos.
O padeiro chegara a horas, anunciando o pão fresco com a sua buzina e, sem tardar, os miúdos desataram a correr com as suas pesadas mochilas em direcção das suas aulas.
No largo da Igreja, distribuídos pelos bancos vermelhos, sentiram alívio quando finalmente ouviram anunciar, através de um altifalante, que o baile iria começar.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Taras e manias

O meu fascínio pela colecção dos quadros dos meninos chorões continua! Este quadro não veio comigo para casa, porque estava um pouco danificado. Só por causa disso!
Cada menino chorão esconde mensagens subliminares e coisas terríveis. Este, também esconderá algo, suponho. Talvez na horizontal e com a vista desfocada se veja um machado a decepá-lo.
Contudo, continuo a achar que o autor destes quadros estava algures entre o génio e o mau pintor. Mais para o génio, talvez.
Não sou de intrigas, mas aviso o descuidado que deitou fora esta relíquia que ouvi dizer que em Londres aconteceram coisas terríveis a quem ousou meter os meninos chorões no balde do lixo. Casas arderam! Pessoas morreram! (talvez por isso mesmo é que este não está dentro do caixote: para causar confusão à maldição)
Claro que isto tudo requer uma piadinha daquelas parvas: criançada, nada de fazer birras! Estão a ver a fotografia? Ir parar ao lado do contentor dentro de um saco de plástico é o que acontece aos meninos que andam por aí a fazer beicinho!
E, já agora um aviso para os pais: Não deitem fora os vossos filhos lacrimejantes, pois em resultado disso a vossa casa poderá acabar em chamas!
Decidi assumir a tristeza: não vou mais chorar baixinho.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Um dia

Um dia, mudarei de morada. Alterarei o meu código postal. Trocarei o norte pelo sul, o este pelo oeste. A janela, pela porta. A casa, pela tenda. A tenda, pelo quintal.
Um dia, será quanto baste para que parta e tudo mude, de arrasto, atrás de mim. E um dia, sem aviso prévio, a minha casa terá mudado de dono. E o meu telefone, atenderá telefonemas dizendo que não está atribuído.
Um dia, o meu rosto enrugar-se-à. A minha pele absorverá a cor das tatuagens e vincará as marcas de toda uma vida. Um dia, o meu cabelo será outro, mais curto e menos farto. E tudo aquilo que pensava ser eterno em mim, se desvanecerá.
Um dia, acordarei com a estranha notícia de que aqueles que amo já partiram, para nunca mais voltar. Um dia, apalpar-me-ei e sentirei um ser estranho e solitário em vez de mim. Um dia, olharei para o mundo como um velho lugar, que há muito conheço mas que já nada me diz.
Um dia. Dia após dia. Tudo acontecerá um dia. Tudo acabará um dia. Tudo principiará um dia. Tudo recomeçará um dia.
E haverá um dia, um único dia, em que nada mais fará sentido para mim.

domingo, 31 de maio de 2009

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Mano

- Oh pai! Oh Mãe! Quero um mano!
- Queres um mano para quê filho?
- Quero um mano para ter com quem jogar à bola e brincar e falar!
- Com tantos manos que há pr'aí na rua, 'inda queres mais um p'ra brincar?! Vai mais é fazer os trabalhos de casa, que amanhã tens escola! - diz o pai visivelmente perturbado.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Mais

Chegados a casa, ela dirigiu-se à pilha de discos de vinil. Tirou um que se destacava dos restantes, limpou-o e meteu-o a tocar no gira-discos. Disse-lhe: Quero mais! Sempre mais! Muito mais! Tocaram os copos, no mais cúmplice dos brindes. Dar-te-ei mais, sempre mais, até que mais não te possa dar. Abraçaram-se e esqueceram as horas, dançando a música que vinha do gira-discos, mesmo depois da agulha ter percorrido a última faixa.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Pour ceux qui pensent que l'amour est seulement un mot et qu'aimer est seulement un verb

J'aime
Tu aimes
Il aime
Nous aimons
Vous aimez
Ils aiment

Et pour tous les autres qui aiment vraiment ses amis, ses familles, ses enfants, ses animaux...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Eles

Um amigo meu contara-me que eles, assemelhando-se a outros quaisquer passageiros, chegavam à estação, lavados e bem vestidos, e metiam-se a controlar o horário dos comboios através dos painéis e através dos seus relógios de pulso.
Chegada a hora do comboio, aproximavam-se da plataforma e antes que este parasse, atiravam-se para a linha. Eram perspicazes e conseguiam sempre atingir o seu objectivo à primeira: sem hesitação nem sofrimento. Restava apenas o grande transtorno daqueles que teimavam em continuar vivos, naquela estação, à espera de embarcar.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Uma tarde bem passada!

Apanho o autocarro na estação da Amadora. Eis-me bem sentadinha no 137, quem diria! 137 é um autocarro da Vimeca. Vi... Meca. Não vi Meca, mas vejo os fabulosos bairros sociais do Concelho. Algo muito mais valioso que o euro e noventa que paguei de bilhete. E assim, comodamente sentada junto à janela, vou admirando os gajos que passam os dias encostados aos pilares dos prédios, a enrolar ganzas e a brincar com os telemóveis. Vou contando os polícias que fazem patrulhas e os outros que fingem fazê-las, rezando para que nada aconteça.
Chego ao meu destino: dolce vita tejo. O novo centro comercial que abriu para estes lados. Não tenho visto televisão, mas aposto que alguém do governo se terá referido a ele como a prova de que a crise está a passar e como investimentos destes são importantes para o crescimento económico do país. Aposto, só. Espero que não tenha sido dito pelo gajo da voz anasalada, que eu já não posso com ele.
Tenho agendada uma entrevista de emprego, numa sapataria em que o preço de cada par de sapatos (por muito minimalista que seja) ronda os 100 euros. Como chego uma hora antes, trato de me entreter por ali. Páro numa espécie de café e peço um espresso e um bolo. A forma como os clientes são tratados, irrita-me. Depois percebo que este estabelecimento pertence a uma cadeia americana e compreendo o porquê do tratamento e também o porquê da quantidade de coisas pouco saudáveis à venda. Não sei se estou ensonada e a ver mal, mas toda a minha gente puxa do cartão para pagar, nem que seja apenas um café. Sou a única que paga com dinheiro vivo. Combatamos a crise com o endividamento das famílias, meus senhores! (leia-se com voz anasalada, por favor!)
A entrevista corre inesperadamente mal, para o entrevistador. Não está munido do meu curriculum e esqueceu-se por completo que a tinha marcada. Fala comigo à porta da loja, num gesto pouco profissional a meu ver. Dou-lhe uma cópia do meu curriculum e ele olha, mas vê-se perfeitamente que não lê nada. Pergunta se tenho experiência em atendimento ao público e diz-me que depois contacta-me para futura entrevista.
Garanto aos meus leitores que não sou nenhum quasimodo, nem nenhuma Maria de Lurdes Rodrigues, mas parece-me que nestes sítios não vão à bola comigo. E eu, depois destas entrevistas amadoras, fico com uma péssima imagem das empresas e esforço-me por falar mal delas a toda a gente. É a minha pequena vingança pessoal. É o meu orgulho e a minha forma de sobreviver às coisas.
Nisto, recordo que tive resvés para ir trabalhar numa livraria que abriu também neste centro comercial. A entrevista correu muito bem e notei que eles simpatizaram comigo. Prometeram contactar-me, mesmo que fosse para me dar más notícias. Ficaram satisfeitissimos por saberem que eu gostava de ler e escrever. Disseram-me mil maravilhas e que a ideia era ser um sítio muito cool, com sangue novo, assim à semelhança do pessoal que trabalha na fnac. Pois, pois...
Eu e a minha curiosidade mórbida fomos passear e encontrámos a livraria em questão. Desde os livros ao pessoal que lá trabalha, tudo me pareceu bafiento, mofento, entediante. Tinha prometido puxar-lhe fogo, mas achei que se aquilo começasse a arder, mais mal cheiraria. Guardei o isqueiro e as acendalhas e observei bem as caras de quem me ficou com o emprego: saí vitoriosa!
Por onde ando, há mil e um cristianos rolnados e até um elemento verdadeiro daquela defunta ""banda"": os d'zert. Os cristianos rolnados, versão Concelho da Amadora e arredores, são, tal como o original, uns belos pategos: mal penteados, mal vestidos e com brilhantes falsos a infectarem-lhes as orelhas. Ainda por cima não conseguem arranjar Merches nem Nereidas, ficando-se pelos trambolhos mais mal esgalhados da freguesia, daqueles que aos 16 anos começam a parir, engordar e "entrambolhar" ainda mais.
Dolce vita não faz sentido, passados cinco minutos lá dentro, percebo isso. Está cheio de gente durante a semana, às quatro da tarde. Cheio de gente desempregada, cartões de crédito e miúdos que fizeram gazeta à escola. É o fare niente português, é mais um circo para entreter o povo e os media. É mais um lixo, daqueles que não faziam falta nenhuma a este país, mesmo apesar dos não-sei-quantos empregos que veio trazer à região.
Sinceramente, vou propôr à direcção mudar o nome para Dolce Mitra Tejo. É um nome mais realista e divertido, a meu ver.

Depois não digas que não te avisaram!

"Na entrada para o combóio, tenha atenção ao espaço entre a porta e a plataforma"

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tédio

Tédio.
Tédio de adormecer antes de amanhecer.
Tédio de acordar quando tem que ser.
E ser. Ser. Ser.
Ser o que sou sem deixar de parte aquilo que fui.
Que fui.
Tédio.
Da madrugada fugaz que passei nos teus olhos.
Honrada por ser tua. Toda tua. Por breves instantes.
Breves Instantes, sem tédio. Breves instantes, que logo se foram.
Tédio de correr atrás de horas que passam num minuto.
Tédio de ter sonhado ontem. E ontem já ter sido há vinte anos.
Vinte anos que passaram e já não voltam.
Vinte anos que já foram e vinte anos que virão e se multiplicarão, eternamente.
Eternamente, tédio.
Tédio de chegar a hora de te ires embora.
De teres que passar aquela porta. E continuares aqui. Ao meu lado. À minha frente.
Tédio de não conseguir que o espaço e o tempo se fundam.
Ou, pelo menos, se confundam.
Tédio de ser matéria numa atmosfera e não ser o contrário.
Nem massa que justifique a sua ocupação espacial.
Nem física que justifique todos estes vectores.
Tédio de me perder por assuntos que não compreendo.
E fingir a inteligência que não tenho. Parecer esperta. Quando não o sou.
E nunca o fui.
Porque se o fosse, este tédio seria outro tédio.
Tédio útil que utilizaria em meu abono.
Tédio que me aborreceria doutra forma.
Ou sem forma de me aborrecer.
De tédio.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Morte


A propósito de uma amiga que não tem medo dela. E de outra que acabou de me dizer que o namorado morreu.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sinto-te por perto

É noite. Estou cansada. Sinto-te por perto. Tudo começa à pressa. Assim como nós vivemos as nossas noites. E os nossos dias. Mergulhados na escuridão que nos cerca, procuramos ainda mais escuridão para contemplar.
É noite. Ainda uma criança, eu. Cansada de tanto vazio que me cerca, encontro-te aqui. No meio de uma conversa, divagando sobre crenças e mais aquilo que te leva a querer continuar.
Debruçada, oiço-te. Hipnotizada, absorvo todos os gestos das tuas mãos. Todos os significados e significantes que elas me transmitem e desejo, tão-somente, tocá-las e entrelaçá-las nas minhas.
Há quem diga que não somos mais que meros adereços. Mas a nossa história é mais do que isso, apesar disso. Vivemos nela como aranhas numa teia. Em busca de algo. Pacientes na espera. Porque sabemos o que queremos e para onde ir.
É noite. Estou cansada. Sinto-te por perto. Dás-me as mãos e percorremos a calçada até o dia surgir.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Eu, ao longe.

Ao longe, vejo passar a imagem de quem eu fui. Miro-a e tento tirar-lhe um retrato. Mas não consigo.
Ao longe, passo eu como eu era. Lá longe, pretérito imperfeito. Perfeito demais e mais que perfeito que todo este presente, que todo este futuro que se avizinha.
E eu, a esta distância, consigo perceber exactamente o que o meu eu longínquo se prepara para fazer. Não o faças. Esquece esse caminho. Não vai dar em nada. Digo-lhe.
E ao longe, ecoam as minhas palavras e o meu eu parte. Não serve de nada. Sou eu quem ali vai, sou eu que daqui de longe me miro. E, se aqui estou é porque lá longe não me ouvi e não me consegui mirar neste tempo.
E nunca, nunca mais, ouso querer saber do meu destino. Quanto mais do meu passado.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Lixo

Pontuais como sempre, chegaram à rua os homens do lixo e eu, ansiosa como sempre, perguntei:
- Há lixo para mim?
Ao que, cabisbaixos, responderam:
- Não minha senhora, hoje não temos nada para si...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

É servido?

Há bocado vi um fantasma cá em casa. Convidei-o para jantar, mas ele não aceitou.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Variações sobre uma lâmina certa

Hoje não cortei os pulsos apenas porque não encontrei a lâmina certa.

Hoje,
Não cortei os pulsos...
... Apenas porque não encontrei
A lâmina certa.

Hoje (não cortei os pulsos apenas porque) não encontrei a lâmina certa.

Lâmina Certa
Lâmina Certa
Lâmina Certa
Lâmina Certa

Contudo, encontrei a lâmina certa para rapar os pêlos das axilas.

Há-de vir o dia!

Quando um dia ao chegar a casa estiverem à porta do prédio, para além das ambulâncias e dos carros da polícia, jornalistas de canais privados e outros tantos de jornais sensacionalistas, bem posso apostar o meu braço direito em como adivinho o que sucedeu: o meu vizinho de cima matou a mãe, ou a mãe matou-o a ele.
E, se acaso me entrevistarem, eu não vou dizer os clichés do costume, de que eram boas pessoas, vizinhos prestáveis, seres humanos excepcionais. Não vou mentir só porque apareço na televisão. Vou apenas dizer o que me vai na alma: bom para eles que finalmente deixaram de discutir sobre assuntos nenhuns e vão finalmente ter algum sossego, um na prisão e outro no caixão.

(este não era o post que tinha em mente para hoje, mas há horas que oiço mãe e filho a discutirem no andar de cima e começo a compreender certos crimes que se praticam entre quatro paredes)

domingo, 19 de abril de 2009

Os Depeche Mode são meus!

Sinto pelos Depeche Mode aquilo que senti pelos Onda Choc quando era miúda: quando editam um álbum, tenho que ir logo comprá-lo, não me importa mais nada. Tenho que o ter, porque os Depeche Mode, tal como os Onda Choc na minha infância, pertencem-me. Sou eu a dona deles e a razão pela qual eles continuam a fazer álbuns e a dar concertos.
Vem isto a propósito do novo disco dos Depeche Mode, que está aí prestes a sair, tipo hoje. Há sacanas que já o ouvem em casa há que tempos e depois dizem-me que não vale nada. Sádicos! Só ouvi o single e gostei muito, logo à primeira audição. Adoro a voz do Martin Gore que se ouve lá ao fundo da música. E adoro o Martin. É a paixão platónica mais fofinha que tive até hoje e que espero preservar durante muito tempo.
Por isso, amanhã lá irá a criança que ainda (sobre)vive em mim, toda contente, comprar o novo álbum. E desembrulhá-lo e lê-lo e ouvi-lo. E amá-lo. Porque há amores que não se explicam. Há músicas que por muito mal que soem às massas, são mesmo feitas à nossa medida.
E quem sabe se não é desta que tenho oportunidade de encontrar o Martin depois do concerto no Porto? Quem sabe se ele não me convida para uma bebida no bar do hotel? Quem sabe se perdida entre a minha timidez aguda e o meu inglês enferrujado não me sai da boca um corajoso e sincero: you're gorgeous!
(Dream on!... Dream on!...)


sexta-feira, 17 de abril de 2009

Tirem-me tudo, menos isso.

Hoje fui a mais uma entrevista de emprego e, ao pensar nos horrores horríveis que podem acontecer a um entrevistado, ocorreu-me que a pior coisa que me podia acontecer era dizerem-me: Se ficar com o lugar fica desde já avisada que tem que tirar esse buço.

Mentiste-me, eu sei.

Perguntei-te se tinhas saudades de algo ou de alguém. Disseste-me que não. E eu, ainda que desconfiada de tamanha mentira, desliguei a televisão, apaguei as luzes e fui dormir. Adormeci e sonhei exactamente com pessoas e lugares que não vejo há muito. Acordei com saudades dos sonhos que acabara de ter, das pessoas e dos lugares que acabara de sonhar. E, acabei por sorrir: senti a estranha satisfação de ter saciado este bichinho saudosista que existe dentro de mim.

domingo, 12 de abril de 2009

F E C H A D O

Volta amanhã, se fazes favor. Isto hoje está fechado. Não é por ser domingo ou feriado. É porque não estou cá. Fiz a mala e parti por aí, à procura de não sei quem. Talvez de um amante, talvez de um amigo. Talvez de uma cara nova que eu nunca tenha visto.
Volta amanhã, se fazes favor. Eu farei o favor de aqui estar à tua espera. Não porque seja segunda ou dia de expediente. Apenas porque não tenho para onde ir. Ou apenas porque não encontrei não sei quem.

Volta amanhã, se fazes favor. Peço desculpa pelo inconveniente.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Há dias em que gostava de voltar a ser pequena. De manhã ser acordada pelos meus pais e ter como preocupação maior lembrar-me de levar as barbies para brincar com as minhas amigas no recreio da escola.
Chego à conclusão que não sei lidar com a frustração e, muito menos, com a idade adulta.

domingo, 5 de abril de 2009

Acorda-me

Acorda-me de manhã, quando estiveres a sair de casa. Acorda-me mesmo que não saias de casa. Ando com os sonos trocados e, tudo o que te peço, é que me acordes à hora de acordar. A tua hora de acordar. A hora de acordar de todas as outras pessoas. A hora de quem não dá voltas na cama até amanhecer. A hora de quem tem mais do que fazer do que se entreter com sonhos ou pesadelos.
Acorda-me de manhã, peço-te. Mesmo que não estejas ao pé de mim quando acordares, imploro-te. Mesmo que a pessoa a quem dês os bons dias não seja eu, perdoo-te. Mesmo que estejas longe e sejas um lugar frio na minha cama, compreendo-te.
Não importa o fuso horário, nem o fuso sentimental. Não importa que as tuas manhãs sejam as minhas noites e vice-versa. Acorda-me de manhã, porque ainda é contigo que eu durmo.

Viva a Crise!

Tirei esta fotografia na Avenida da Liberdade, no passado dia 13 de Março. Viva a crise. Nem mais!

Arranja-me um Emprego

Tu precisas tanto de amor e de sossego
- Eu preciso dum emprego
Se mo arranjares eu dou-te o que é preciso
- Por exemplo o Paraíso
Ando ao Deus-dará, perdido nestas ruas
Vou ser mais sincero, sinto que ando às arrecuas
Preciso de galgar as escadas do sucesso
E por isso é que eu te peço

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Se meto os pés para dentro, a partir de agora
Eu meto-os para fora
Se dizia o que penso, eu posso estar atento
E pensar para dentro
Se queres que seja duro, muito bem eu serei duro
Se queres que seja doce, serei doce, ai isso juro
Eu quero é ser o tal
E como o tal reconhecido
Assim, digo-te ao ouvido

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Sabendo que as minhas intenções são das mais sérias
Partamos para férias
Mas para ter férias é preciso ter emprego
- Espera aí que eu já lá chego
Agora pensa numa casa com o mar ali ao pé
E nós os dois a brindarmos com rosé
Esqueço-me de tudo com um por-do-sol assim
- Chega aqui ao pé de mim

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

Se eu mandasse neles, os teus trabalhadores
Seriam uns amores
Greves era só das seis e meia às sete
Em frente ao cacetete
Primeiro de Maio só de quinze em quinze anos
Feriado em Abril só no dia dos enganos
Reivindicações quanto baste mas non tropo
- Anda beber mais um copo

Arranja-me um emprego
Arranja-me um emprego, pode ser na tua empresa, concerteza
Que eu dava conta do recado e pra ti era um sossego

(um apelo que deixo com palavras sábias do grande Sérgio Godinho)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Obrigada senhora duma religião qualquer!

- Você tem amor. Muito amor. Vê-se no seu olhar. Vê-se na luz que transmitem os seus olhos. Você tem mesmo muito muito muito amor. Você transborda amor. Você é amor. Certamente que sabe que Jesus também é amor. Julgo que o perceba. Porque você respira esse mesmo amor. O amor de Jesus pelo próximo.
- Muito agrdecida minha senhora, mas agora tenho mesmo de ir tratar dumas coisas...

E pensei: isto de transbordar amor como o próprio Jesus transbordou quer dizer que me vou meter em sarilhos aos 33 anos?

(dúvida gramatical: diz-se tenho mesmo que ir ou tenho mesmo de ir?)

Prédios

Prédios cinzentos. Prédios amontoados. Prédios desfigurados, pelas marquises e pelo tempo. Marquises e mais marquises. Roupas esquisitas ostentadas sem pudor. Velhos decrépitos a espreitar pelas persianas dos quartos. Gatos colados às janelas, sonhando ser tigres. Bandeiras de cores esbatidas e tecidos rasgados, revelando patriotas em falência. Gritos anunciando a existência de vidas para além do betão. Para além do tijolo. Para além das suas próprias vidas. Luzes acesas. Luzes apagadas. Luzes fundidas. Alguém que bate com a porta. Um carteiro que se engana na morada. Uma ex-prostituta reclamando decência a quem passa. E a quem fica. Um jogo de futebol mal arbitrado. Um adepto mal humorado. Não sei quantos filhos mal paridos. Prédios de ricos. Jardins mal frequentados. Prédios de habitação social. Anúncios de vendas e arrendamentos. Flores murchas que não dormem. Nas varandas. Nos canteiros. Prédios abandonados. Prédios caídos. Prédios vencidos pelo tempo e pelo mau trato. Deixam desmoronar histórias de todos nós, para que outras histórias se ergam numa nova empreitada.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Obrigada Senhor Revisor!!

À saída da estação, sou abordada por um revisor-com-cara-de-quem-frequentou-o-famoso-Patriarche-em-princípios-dos-anos-noventa que me diz em jeito de revelação bíblica:
- Nesta primeira fase, mete aqui o cartão e faz compasso de espera... Já está! Pode Passar!
Confesso que a minha vida passou a fazer sentido. O meu cartão também. Já não me sinto sozinha no mundo. Obrigada CP! Obrigada Senhor Revisor!

Delírios

Comecei a delirar esta noite. E não delirei sozinha. A ideia partiu do amigo João e eu alinhei. Portanto, considero que estou a delirar conjuntamente com alguém, o que me faz sentir um certo consolo. Que isto de se delirar sozinha é lixado. O mesmo que o diga o João.
Delírios é o blogue que se inaugurou esta noite. Com textos meus a legendar as fotografias do João. Ou, por outro lado, com fotografias do João legendadas por mim. É tudo uma questão de perspectiva.
Abre-se assim um novo espaço na blogoesfera. Esperamos, eu e o João, que não se torne apenas mais um blogue. A ver vamos!
Convidamos a todos quantos nos lêem e vêem que se atrevam a delirar de vez em quando e nos visitem em http://de-li-rios.blogspot.com.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Águas...

A minha tarde começou bem: fui pagar a água aos Serviços Municipais de Águas aqui da freguesia. Uma tarefa chata, que me pareceu ainda mais chata quando me deparei com uma fila enorme à porta dos referidos serviços.
Tirei uma senha e fui beber um café no café da esquina, onde fui atendida por uma velhota muito simpática que até me desejou saudinha! quando eu saí. Regressada, arranjei lugar sentado na mínima sala de espera que existe.
Entretida a olhar para os meus vizinhos, devedores tal como eu, e para as paredes cheias de informações que não me dizem respeito nenhum, reparei num lindo papel, feito em word e decorado com um desenho de uma torneira a verter água colorida, que informava que os desempregados inscritos no Centro de Emprego desta zona tinham direito a uma quantidade valente de litros de água à borla. Quando digo valente, refiro-me mesmo a uns milhares de litros.
Chegada a minha vez, paguei a minha água e pedi mais informação sobre a soberba promoção feita aos madraços deste país. E a funcionária lá me explicou o que era necessário fazer para também ter direito e concluiu que os milhares de litros se traduzem em cinco meses sem pagar água.
Pelo sorriso da funcionária minha homónima, desconfiei que fosse uma partidinha sádica de dia 1 de Abril. Ou será que andamos muito generosos? Ah, já sei: é uma medida anti-crise mesmo a calhar em ano de eleições!
Por mim, venham elas: as medidas anti-crise em ano eleitoral. Eu nem sequer voto aqui...

Lisboa

Não sei por onde tenho andado, mas algo me faz crer que fui hipnotizada ou embruxada por alguém muito maquiavélico que me fez esquecer o quanto gosto de Lisboa. Hoje, finalmente, e talvez por me ter benzido sem querer, redescobri a cidade por entre bêbedos que cantam o "atirei o pau ao gato" e mendigos que se lembram de acertar os seus relógios de brincar no passeio mais movimentado.
Encontrei vistas do Tejo que não conhecia. Cruzei-me com pessoas belas e outras que nem tanto. Desviei-me de buracos, de caniches açaimados e de pedintes sem membros. Ri-me das melodias destes últimos e dos seus pregões gastos de tantas vezes que são ditos. E, involuntariamente, ouvi boa música tocada em plena rua.
Esquivei-me ao sol e, quando dei por mim, já tinha comprado dois bilhetes para um concerto e um dvd do meu amado Leonard Cohen. Voltei para o sol, para que não me sentenciasse falência em prol de qualquer coisa semelhante ao conceito de cultura.
Imaginei-me uma louca, daquelas que não têm rede e dizem tudo o que lhes vem à cabeça, sem reflectirem antes. E pensei: que diria eu acaso pudesse dizer tudo como os malucos? Olhei todos aqueles que ainda não morreram nos olhos. Olhos nos olhos. E, sem nada temer, sussurei-lhes em jeito de piropo: Sejam felizes!

Vai chatear o Camões!


Podes crer que vou, agora que até já sei onde é que ele pára!

terça-feira, 31 de março de 2009

Rir faz bem à saúde

AHAHHAHAHH AHAH AHAHAHHAHA AHHAHAHAHHAHA AHAHAHHAHA AHHHHHHAHHAHAHHAHAHHAHAHHA AHAHAHHAHAHAHHAH AHAHHAHAHHAHAHA AH AH AH AH AHHHAHAHAHHAHAHAHHAHAHAHHAHAHAHAHHA AHAHHAHAHAHAH AHAHAHHAHAHHAHAHA

sexta-feira, 27 de março de 2009

This is the end, laralalara

O fim do mundo vem aí. Estou farta do anunciar, mas ninguém me liga. Vão acontecer em todos os cantos, em todas as casas, verdadeiras guerras: pais com filhos; primos com primos; sandálias com botas; orelhas com brincos. A terra vai ser um manto de cinza e destruição. Os materiais não reciclados pelo Homem revoltar-se-ão e meterão todos os homens e mulheres (crianças e velhos incluídos) no Humanão, um grande ecoponto cor-de-merda que engolirá toda a humanidade e a transformará em bens úteis: Cogumelos, andorinhas e nuvens em forma de ursinhos.
Vai ser um verdadeiro Deus-me-acuda e não valerão de nada as nossas preces, pois caso ainda não tenham reparado (e não por falta de insistência minha): DEUS NÃO EXISTE. Logo, o céu e o inferno também não. Logo, rezar é uma perda de tempo. Principalmente quando se trata de rezar a dois passos de se ser despejado no Humanão.
No entanto, há procedimentos que se podem tomar para que a via sacra até ao Humanão se torne menos - vá lá! - custosa:
a) Beber muita água e evitar fast-food;
b) Lembrar com os amigos da mesma idade as letras ridículas dos Onda Choc;
c) Dizer ao Miguel Ângelo que os Delfins já eram;
d) Fazer músicas de louvor ao Humanão baseadas nas da Mónica Sintra (por exemplo: "Afinal havia o Humanão / E eu sem nada saber meti lá a mão");
e) E, porque mesmo em dias de julgamento final há sempre muita radiação solar, usar um bom protector, de preferência factor trinta.
Eu sei que me vão acusar de insanidade. Até pode ser que sim, que esteja completamente louca. Mas, antes de despejarem palavras ruins no éter do universo, antes de se armarem em bananas com aqueles que até vos podiam dar algo em troca (qualquer coisa tipo amor e bolinhos secos), pensem no que andam a fazer.
O final está próximo. Caminhamos a passos largos para o Humanão. Mas com um bocadinho de esforço, até podemos caminhar divertidos e de bem com o mundo. E, no final, quem sabe se não seremos nós o ursinho-nuvem que olhará lá de cima este lindo planeta, finalmente livre e desabitado.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Alfredo

Alfredo, tenho medo. A janela está tão bem fechada, que não deixa a luz entrar. Tenho medo, Alfredo. Da escuridão, dos pesadelos.
Alfredo, tenho medo. A janela ficou aberta e alguém pode entrar. A luz que lá de fora vem, parece me ofuscar. Alfredo, há corpos invisíveis no escuro que parecem me querer tocar.
Alfredo, tenho medo. Por favor, vem me buscar.

terça-feira, 24 de março de 2009

A Praça

Estou frente à praça onde ficou a morar um bocadinho da minha infância. Aquela infância que recordo, mas que não sei precisar se foi bastante feliz ou se foi só assim-assim. A infância que me fazia inventar dores de barriga e cabeça para não ir à escola. A infância que me traz à memória barcos antigos abandonados numa qualquer margem invernosa de um rio.
E hoje, no entanto, recordo-a com saudade. Como se este cheiro a flor-de-laranjeira sempre tivesse existido na minha memória. Como se estes transeuntes todos, tivessem assistido e aplaudido de pé às minhas brincadeiras-logo-ali-inventadas em torno do pelourinho. Como se estas fossem as andorinhas que me compuseram tantas e tantas bandas sonoras de tantos e tantos finais de tarde.
Estou frente à praça e congratulo-me por ser mais uma anónima de portátil na mesa. E tento imaginar o que os outros imaginam quando me vêem. E percebo, como percebi em tantas outras vezes, que estou longe daquilo que aspirei para mim, longe daquela pessoa que descubro do outro lado do espelho.
Eu não sou esta que aqui escreve na primeira fila, de frente para a praça. Eu não sou a criança que corre frente ao pelourinho. Estas não são as minhas andorinhas. Este perfume de flor-de-laranjeira nunca será o do meu casamento.
No entanto, sorrio. Hoje, aqui e agora, poderei ser exactamente quem eu quiser ser. Ninguém me conhece e ninguém terá competências para me julgar os actos, por muito estranhos que sejam. Quem eu quiser. Quem eu quiser. Quem eu quiser. E, num acto do mais puro altruísmo, guardo as facas, escondo os dentes de vampiro e dou a minha mesa a um casal estrangeiro.

terça-feira, 17 de março de 2009

The Sisters of Mercy

Há uns gajos, com a mania que detestam góticos, que em princípios dos anos 80 formaram uma banda cujo nome foi inspirado numa música do grande grande senhor - uma vénia para este senhor já! - Leonard Cohen: The Sisters of Mercy.
A quem não os conhece (há alguém que não conheça The Sisters of Mercy?!?), basta ir à wikipedia para perceber que essa banda, que detesta góticos, é apelidada - et voilá! - por banda gótica dos anos 80. É mesmo caso para largar um valente e moderno LOL.
Ontem fui vê-los, apesar da promessa de nunca mais voltar a estar no mesmo espaço que eles. É que eu gosto mesmo muito de Sisters of Mercy e, cada concerto deles é mais uma desilusão. E, estou farta de ir a concertos-decepção. Farta de gastar dinheiro em cd's que nunca mais consigo ouvir após a experiência traumática que é um concerto-decepção.
Mas uma amiga ofereceu-me o bilhete e eu - sem o peso que teria caso o tivesse comprado - lá fui toda bem disposta e de ânimo leve ver os excelentissimos senhores. Por onde passei, a quem encontrei, espalhei a mensagem de que ia ser um fiásco. Também avisei que o fim do mundo estava próximo e que o Lidl vende um salmão fumado muito bom.
Toda a gente se entusiasmou com a última informação, excepção feita a vegetarianos. As restantes informações deixaram dúvidas. E, quando dei por mim num Coliseu que parecia a meio-gás, lá estavam todos eles expectantes. Falo dos meus amigos e conhecidos e também daqueles gajos a quem deve ter saído o bilhete na raspadinha do jornal Record ou nos pacotes de batatas fritas Lays.
Depressa o palco se encheu de fumo. Depressa se cantou o Temple of Love. Depressa meia-população de Lisboa ia ficando intoxicada com o fumo. Depressa o anti-gótico disse pela primeira vez de que há memória "obrigada". Foi o que percebi e, se assim foi, esqueceram-se de lhe explicar que obrigada dizem as senhoras. Depois veio mais fumo. Depressa dei por mim sozinha a curtir em grande o concerto. Mais a ouvir do que a ver, é certo. Mas não é que eles acertaram em cheio no que me estava a apetecer ouvir ontem à noite?
Eles não querem, mas o que é certo é que o som deles é gótico e do bom. Daquele que já não se faz por aí há muito tempo. E os fans são góticos (iniciados e pré-reformados) e gajos trintões que metem no mesmo saco Sisters, Peter Murphy e U2 (graças às discotecas em que os "dj's" passavam em sequência o Temple of Love, o Cuts You Up e o Sunday Bloody Sunday). Os tais que têm a sorte de lhes sair um bilhete enquanto lêem o Record e trincam uma Lays com sabor a ketchup.
Andrew, o senhor anti-gótico por excelência, enche o palco de fumo por causa do público, mas não porque não o queira ver. Ele é que não quer ser visto. Porque está velho e mal vestido. E ele gosta de góticos sim. Porque lhe enchem os concertos e lhe compram os discos. Se não, para quê continuar a fazer concertos? Claro que todo este ódio dos Sisters of Mercy pelo mundo gótico torna algo mais que evidente: o senhor anti-gótico e os seus compinchas não conseguem disfarçar uma assumida e visível queda para a vertente bdsm do movimento. First and last and always.

domingo, 15 de março de 2009

Toda a gente discute. No andar de cima e no prédio do lado. Na rua e nos quintais. Na estrada e nos carros. Nos cafés e nas esplanadas. Nos combóios e nos autocarros. Nas bicicletas e nos patins. Nas televisões e nos telemóveis. Nos e-mails e nos recados deixados em guardanapos. Namorados e namoradas. Maridos e mulheres. Irmãos e irmãs. Pais e filhos. Vizinhos e vizinhas. Taberneiros e clientes. É domingo e todo o meu país está a discutir.

P.S- O que me faz lembrar o velhinho "Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão"...

sexta-feira, 13 de março de 2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

O lado positivo da tristeza

A tristeza tem um lado positivo que mais nenhum estado de alma tem. Se estamos tristes, sabemos apreciar muito melhor uma coisa boa. E, por essa coisa boa, conseguimos renascer das cinzas como se tivessemos acabado de vir dar à costa. À costa que se chama vida.
Às vezes é necessário ir ao fundo para dar valor às coisas que existem à tona. Às pequenas mas belas coisas que existem lá em cima, a boiar, à espera que as alcancemos. Ficar triste, é uma espécie de preparação para aceitar a realidade ou lutar por uma nova realidade. Por isso, a tristeza alberga em si, num canto não muito evidente, um lado positivo.
A minha tristeza é uma tristeza pretensiosa, porque não se limita a ter só um lado positivo como as outras. Ostenta sem pudor vários lados positivos e não me deixa estar muito tempo sossegada no meu canto a chorar e a pensar em nada, sem que me assalte logo com algum dos seus lados positivos.
Se por um lado me faz chorar, por outros tantos faz-me pensar. Faz-me questionar. Escrever. Ler. Apreciar um disco negligenciado no meio dos outros todos. Querer ser alguém e acreditar que um dia o serei. Sonhar. Desejar a companhia de um bom amigo. Desprezar tudo aquilo que me puxa para baixo.
E ao aproveitar esses lados positivos, vou-me entretendo e percebendo que há males maiores. E, quando dou por mim, acordo à tona de água, jubilante por um pequeno nada.

segunda-feira, 9 de março de 2009


Eu sei que um dia nos iremos encontrar lá, onde o sol se põe cor-de-laranja. Morno. Silencioso.
Um dia encontrar-me-ei lá. E tu estarás lá. E também te encontrarás.

Diz-me

O que fazer num dia bonito quando falta a companhia e o pijama teima em continuar vestido?

sexta-feira, 6 de março de 2009

A Desempregada

A desempregada vai ao Museu. A desempregada ouve punk português. A desempregada corre para apanhar o metro. A desempregada sofre com o sofrimento alheio. A desempregada já não pode ver mais cuspo no chão. A desempregada separa o lixo e vai ao Ecoponto mais próximo. A desempregada tem saudades das férias de Verão. A desempregada inventa um sonho para não viver num pesadelo. A desempregada dorme com o cão. A desempregada tenta descobrir onde se escondem as pessoas interessantes. A desempregada envia mais um curriculum. A desempregada abre o e-mail em vão. A desempregada paga a renda a tempo e horas. A desempregada procura um sinal. A desempregada encontra dicas na caixa do correio. E também no lixo e no papelão. A desempregada discute sem razão. A desempregada desilude aqueles que ama. A desempregada pede perdão. A desempregada regista o Euromilhões. A desempregada conta os tostões. A desempregada é simpática com os desconhecidos. A desempregada tem educação. A desempregada tem sempre um motivo para sorrir. A desempregada não desiste. A desempregada persiste. A desempregada sou eu.

terça-feira, 3 de março de 2009

A fila

Chego e sou mais uma vez a pessoa que fica no fim da fila. Eu, aqui me prostro: sou a última. A última na fila que tem mais de oitenta pessoas encostadas às montras das lojas, das pastelarias e dos mini-mercados ainda fechados.
As montras injectam-nos móveis design, móveis por medida, talismãs e livros de auto-ajuda. Os mini-mercados oferecem-nos os preços mais baixos do mercado. Nas sapatarias comemoram-se os últimos dias de saldos com sapatos a sessenta e tal euros depois de um generoso desconto de 30%.
Do outro lado da rua, prédios imponentes de cinco e seis andares fazem adivinhar outros tempos de glória. Contudo, o passar dos anos e o acentuar da miséria trouxeram-lhes uma roupagem menos chique. Dos espaçosos terraços com vista desafogada, pouco sobra. Estão todos ocupados com construções ilegais feitas dos mais inflamáveis materiais e cobertas com telhados de zinco. Nem os pombos moram mais ali. Só pessoas. Porcas. Tristes. Indiferentes áquilo que se passa lá em baixo. Indiferentes à sua própria miséria. Indiferentes até às roupas que deixam estendidas semanas a fio até ganharem o cheiro e a cor da poluição.
Descem a rua autocarros. Miúdos com mochilas às costas. Homens com cigarros na boca e jornais diários debaixo dos braços. Uma senhora de cor com um majestoso casaco de peles. Um rapaz engraçado com uma guitarra às costas. Passam carros topo de gama em tamanho número que quase me convenço de que vivemos num rico país. Carros que passam com pessoas que não se interessam por aquilo que as rodeia, a não ser que o sinal fique vermelho.
Das pessoas na fila, há de tudo. Desde candidatos a morar em pombais até pessoas que se julgavam já em idade de reforma. Brasileiros. Ucrânianos. Africanos. Prostitutas reformadas. Mães desdentadas com filhos ao colo. Um tipo com ar de quem gosta de reggae, outro com ar de quem não diz que não a uma bebida forte logo pela manhã. Um casal de namorados fora de contexto. E sempre, uma grande percentagem de Chicos com a mania que são espertos.
À porta, são distribuídas senhas cor-de-rosa por uma senhora loira, muito simpática e atenciosa. Talvez só se encontre ali para contrariar a fama destas instituições ou apenas para nos fazer esquecer o dia cinzento e frio que está lá fora. Ordeiramente, a fila avança. As pessoas recebem a senha cor-de-rosa, ou são encaminhadas para a mais simples e despachada senha branca. Lá em cima, haverá uma doutora que atenderá um a um cada um de nós. Processo demorado que a poucos dos presentes trará resultados positivos.
Finda a distribuição das senhas, a doutora lá de cima comunica através do segurança semi-careca-com-o-pouco-cabelo-que-lhe-sobra-pintado-de-preto, que até à senha 25 poderão ficar e que os restantes poderão ir almoçar e voltar à tarde. Uns compreendem e saem. Outros compreendem e sentam-se a ler as suas revistas ou os seus livros. Mas há sempre os incompreendidos. Desses, há um que diz que o que fazia falta era fazerem ao "gajo" o mesmo que fizeram ao Nino Vieira. E sublinha que a pena disto tudo é ninguém se chegar à frente.
Pergunto-me: porque refilamos com a falta de iniciativa dos nossos compatriotas? Se ninguém se chega à frente para fazer o que faz realmente falta, cheguemo-nos nós então. Se é essa a nossa vontade e determinação. Mas o Centro de Emprego é isso mesmo: uma miscelândia de pessoas sem coragem de se chegarem à frente nem vontade de lutarem por aquilo que realmente lhes faz falta. E não pretendo generalizar, mas aviso que é certamente a grande maioria. Utentes e funcionários, todos incluídos.
Volto à tarde e a doutora ainda só atendeu até à senha cor-de-rosa número 12. A minha é o número 32, o que me alivia e me leva a pensar com os meus botões: ainda bem que pertenço ao grupo que pode ir almoçar às 10 horas da manhã.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Para não dizerem que nada escrevo, escrevo nada.

Mando em média dois curricula por dia desde o antes do dia em que me despedi. Pacientemente, deixo os curricula ganharem asas e voar e aguardo que algum deles, tal como um pombo-correio, regresse com notícias. Daquelas que espero, sem desesperar.
Informo-me sobre aulas de yoga e ballet perto da minha casa nova. Há de tudo, como seria de esperar de um grande centro urbano. Valha-me isso! E com um sorriso nos lábios, faço pim-po-ne-ta entre elas, pois acho que não consigo decidir sem hesitar.
Mato saudades dos amigos de sempre com cafés, jantares e larachas. Sinto-me desterrada aqui, mas também ali. Pergunto-me: onde moro afinal? Onde é a minha casa? Onde me sinto abrigada? Pelo menos uma certeza me resta: o meu coração tem morada fixa, dentro de mim.
Páro e respiro fundo. O importante é não perder a calma e não perder a força também. Continuarei a lutar por aquilo que sou e que pretendo não deixar de ser, hoje exactamente como ontem e incessantemente até ao fim. Não há lugar para medos e frustrações. Nada de hastear bandeiras brancas. Nada de me vergar porque, sobretudo, ainda acredito em mim.
E uma frase, daquelas que invento enquanto caminho por aí, fica hoje estacionada aqui: Um dia colherei belezas onde outrora semeei tristezas.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Saudades

Só me dou verdadeiramente conta de que sou portuguesa, não sentindo vergonha de tal constatação, quando sinto saudades.
As saudades são das mais belas invenções e são nossas, bem portuguesas. Inventadas não sei quando nem por quem, têm sido o soldado mais fiel a esta pátria cada vez mais descambada.
Ao contrário do amor e de outros sentimentos, tê-las é belo, matá-las idílico. E eu tenho-as e ostento-as todos os dias. E mato-as, sempre que posso. Em público. Em privado. Pena que, por muito que as apunhale, sobrem sempre algumas vivas.
Tenho saudades de ti. Deles. Do futuro e do passado. Saudades que pretendo esventrar uma por uma até me esquecer do dia em que fui portuguesa.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

As cidades...

... são campos de cultivo de cães de trela obesos e amores quase perfeitos.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Indícios e Concertos

Tenho tido ultimamente vários indícios de que estou a entrar numa nova idade. No último concerto que fui, tive mais um desses estranhos e cada vez mais recorrentes indícios: achei fantástica a ideia dos lugares sentados. Apesar de gostar imensamente de dar um pezinho de dança e abanar a anca com as músicas que mais me agradam, começo a achar altamente desconfortável ver concertos de pé. Ora são as dores nas costas, ora são os cabeçudos que em vez de terem ido para um qualquer Carnaval português, se vão enfiar mesmo à frente do meu metro e sessenta e um calçado com uns rasteiros sapatos dr. martens.
Por falar em concertos, aviso desde já dois ministérios - o da cultura e o da saúde - de que desconfio que há propagação de H5N1 nos espectáculos a que assisto. Não por a passarinha que aqui debita palavras estar presente, mas sim pelo facto de que assim que há uma música mais calma ou uma parte mais parada, o público desata logo a tossir. Ora lá atrás, ora ali mesmo ao meu lado esquerdo. Toda a minha gente tosse e, se não se trata de um caso de saúde pública, trata-se certamente de um desconforto generalizado perante o silêncio. Pois meus amigos com problemas de garganta, de tosse seca ou com expectoração, se tivessem o mesmo ruído constante nos vossos ouvidos que eu tenho nos meus (ruído esse também conhecido por ser um dos indícios que me avisam que a idade já é outra), nada vos deixaria mais gratos que um bocadinho de silêncio para aproveitar uma música calma ou umas palavras sensatas.
Para terminar, queria avisar aqueles gajos chatos que começam a berrar em direcção do palco na esperança que os artistas lhes respondam, que gritam nomes de músicas e que fazem "ÚUUUuuu!!!!" quando começa a favorita deles, que isso tudo é bastante ridículo. Bastante mesmo. E que, não sendo nada comigo, até coro de tão envergonhada que fico. Pois por falar de indícios, esses actos são fortes indícios de demência humana ou de pré-adolescência mal resolvida (o que é bem pior que adolescência mal resolvida). Tratem-se ao som dos vossos discos favoritos e fechem-se bem fechados nos vossos quartos. Comigo resultou e passei sem problemas à idade seguinte. Convosco não será diferente, haja esperança.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Passe Social

E porque estamos resvés Dia de São Valentim, aqui fica o bonito e curto relato do meu dia de ontem, falado na terceira pessoa à boa moda futebolística:
Cerca das 17 horas do dia 12 de Fevereiro, Cristina encontra o seu Passe Social no guichet da Estação do Rossio. Olham-se por breves instantes e a cerimónia inicia-se. A celebrá-la, estava o funcionário da CP com mais cara de parvo de que há memória. Como testemunhas, duas ou três pessoas dos Concelhos de Sintra e da Amadora que ali se encontravam a fim de tirar bilhete ou fazer alguma reclamação.
A Cerimónia, breve, decorreu sem incidentes e não há memória de um sorriso tão desenhado de felicidade no rosto de Cristina. Daquele momento em diante, poderia agarrar, beijar, usar o seu passe. Sem remorsos, sem ter que esconder de ninguém. Aliás, ostentá-lo-ia com orgulho. Com amor.
Cristina e o Passe, finalmente a sós, fizeram a linha de Sintra numa viagem que tão bem irão recordar e repetir vezes e vezes sem conta. A noite de núpcias foi em Queluz, não na Pousada, mas num modesto apartamento. O Passe, também ele muito satisfeito, adormeceu feliz e quentinho dentro da carteira de Cristina.