Olha para a estação onde apanhas o combóio, o autocarro, o metro ou o barco. Seja ela qual for. Como tudo se tornou um hábito para ti, esqueceste-te de observar os outros. No entanto, observando os outros aprendes mais um pouco acerca de ti próprio. Repara como andam em piloto automático, entrando e saindo do combóio como se nada os afectasse.
E a ti, nada te afecta? Nem a pobreza nem os falsos pedintes? Não creio. Como não creio que não te rias no teu íntimo com os pregões entoados pelos vendedores de cachecóis, guarda-chuvas e fruta ou com a peruca do homem que segue mesmo ao teu lado.
Há algo de quase poético num combóio cheio de gente. Há alguém que ouve uma música que tu gostas. Há alguém que transpira de medo. Alguém que cheira a álcool. Alguém que carrega três filhos e mais igual número de sacos de compras. Alguém que tapa as lágrimas por detrás de uns óculos escuros. Alguém bem vestido para alguma festa. Alguém que cumpre os últimos dias de vida.
E todas essas pessoas, que nos olham, empurram e pedem licença, representam cada uma delas diferentes fases das nossas vidas, cada dia que cá passamos e passaremos. As nossas alegrias, as nossas tristezas e as nossas monotonias.
Portanto, lembra-te de que todos os dias somos objecto de observação também e que, para os outros, todos os dias somos alguém diferente: nuns dias merecedores de misericórdia, noutros tantos apenas alvo de chacota.