quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Inércia

É desta inércia que falo, quando nada digo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Agora faz sentido o sentido que faz quando me deito e sonho e acordo e vivo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Do altruísmo e outras vaidades encapotadas

Venho duma terra de loucos. Lá, em cada esquina, há um amigo. Um amigo, que também é um louco, como convém na terra da fraternidade, que o nosso país tanto canta em uníssono em vésperas de feriado nacional. Há o louco que nos pede somente cigarros. Há o louco que se senta connosco na mesma mesa de café e monopoliza a conversa. Há o louco que é surdo, mas sabe cantar. Há o louco que se desloca na sua cadeira de rodas ao lado da sua ex-namorada que também é ex-toxicodependente. Há o louco que nos ofende. Há o louco que nos julga loucos. Há o louco de quem fugimos e há também o louco de quem nos rimos.
Se houvesse em iguais proporções médicos e loucos como na velha máxima "de médico e de louco todos temos um pouco", a terra de onde venho teria uma relação de um médico para cada dois habitantes. E seria o melhor sítio para se viver em todo o Portugal continental.
Vem isto a propósito das conversas que se têm por estes lados, nesta internet que nos afasta da realidade e nos consome todos os dias, mas que malfadado destino, é quem nos permite manter o contacto com os amigos que se espalham pelo mundo e talvez também alguma sanidade mental.
Um amigo perguntava-me, a propósito da morte do Senhor do Adeus, se eu tinha ido ao evento-homenagem que se realizou ontem no Saldanha, onde vários populares se juntaram para acenar aos carros, tal como o recém-defunto fazia todas as noites para aqueles lados.
Fui convidada para ir assistir e participar nesse evento-homenagem, mas recusei. Senti-me um pouco tentada, é certo. Dentro de mim, em torno destes eventos, há sempre uma certa curiosidade a três níveis: sociológico, antropológico e psicológico. Porque considero-os, sobretudo, cultos mórbidos onde os seus participantes sentem uma forte necessidade de aparecer e ser vistos. E apetece-me estudá-los, no seu habitat, para perceber que genes influenciaram o desenvolvimento deste tipo de humanos, que hábitos sociais os caracterizam e como é que eles próprios pensam e actuam. Contudo, meti esta minha curiosidade no sítio donde nunca deveria ter saído e apanhei o comboio até casa. Pois não há nada melhor, para uma misantropa assumida como eu, do que chegar a casa e ficar finalmente a sós consigo mesma.
O meu amigo, disse-me que se achava 'besta' por condenar estes eventos e não conseguir perceber o que move as pessoas que os patrocinam. Eu não o considero besta, na medida em que percebo perfeitamente as pessoas que não se enquadram no perfil que é comum àqueles, que ontem, estiveram um par de horas a acenar para os carros e para as câmaras que por ali fotografaram e filmaram. Se o meu amigo é besta, eu sou uma real besta, porque para além de sentir o mesmo que ele, ainda me dedico a escrevê-lo aqui na blogosfera, à mercê dos olhos e das interpretações de todos e quaisquer tarados à solta que vêm parar ao meu blogue por pesquisarem no google "gordas em cuecas".
Nunca me consegui enquadrar em certas e determinadas manifestações populares. Desde miúda que me arrepiam as aulas de ginástica e as visitas de estudo a Lisboa. Até sei fazer a ponte melhor do que ninguém e adoro aprender para além das quatro paredes do meio onde vivo, mas odeio ajuntamentos, coisas feitas em grupo, cantorias e piadas que são cantadas e contadas por toda a gente. Odeio carneiradas, coisas que nos anulam em prol de um todo. E o todo - meu Deus! - ri-se e canta qualquer anormalidade e sente-se orgulhoso da figura que faz, do número que é capaz de juntar.
Convenhamos que o Senhor do Adeus era um louco. Como não o conhecia pessoalmente, posso afirmá-lo sem vergonha nenhuma na cara. Sei que não o era totalmente, porque li algures, que se tratava de um cinéfilo e melómano que, como bom aristocrata que se preze, vivia do dinheiro da família. Mas, mesmo tendo lido o que li, considero-o um louco. Um louco que achava que trazia mais alegria às pessoas, por passar horas a fio, todos os dias, a acenar-lhes um adeus, depois do jantar e antes da cama, ali para os lados do Saldanha. E que era - aparentemente - feliz. E é aí que me permito ter alguma empatia por este ser, porque são poucos, muito poucos, aqueles que realmente se consideram felizes. Considero, desde que reflicto mais a sério sobre esta coisa da condição humana, que a loucura é meio caminho andado para a felicidade.
Reflicto também, desde ontem, sobre as motivações de quem foi até ao Saldanha participar na dita homenagem e sobretudo sobre quem se lembra de homenagear e referir sem parar outro alguém, quando este morre. E acho que se trata tudo de uma grande treta.
E aqui entra a grande besta que eu sou, mais do que o meu amigo (perdoa-me, mas sou mesmo mais besta do que tu, apesar de me apresentar nesta fraca figura, muito mais frágil que o teu viril caparro), porque venho duma terra de loucos, onde todos são castiços à sua maneira e, entre os quais, até há quem saiba escrever muito melhor do que toda a blogosfera junta. Por tal, julgo ter legitimidade mais que suficiente para não ver utilidade nenhuma em exéquias. Todos nós (eu incluidíssima), não fizemos mais do que passar as nossas vidas a rir a plenos pulmões das loucuras dos loucos das nossas 'aldeias'. Por isso, tudo o que seja do domínio post mortem não passa duma grande farsa que não serve nenhum dos interesses dos mesmos, por muito loucos que tenham sido.
Do adeus colectivo de ontem, está tudo dito. Trata-se de um aproveitamento da morte de um senhor, que por muito funcional e intelectual que fosse, não passava de mais um louco aos nossos olhos: olhos de pessoas que ali o viam acenar todos os santos dias e não o imaginavam sequer capaz de juntar duas palavras, quanto mais de admirar e conhecer boa música e cinema. Aproveitamento, para que possamos todos nós paracer mais integrados. Possamos todos nós parecer cidadãos mais activos. Cidadãos que exercem a sua cidadania, o seu altruísmo e a sua vaidade, todos juntos no mesmo prato, onde dias antes, provavelmente cuspiram.
Enfim, como nos tempos da ginástica e das excursões, nunca me enquadrei nestas coisas da sociedade. Exerço uma outra cidadania, menos visível, menos gabarolas. Presto culto a pessoas, umas apenas loucas outras completamente insanas, convivendo com elas todos os dias. Falando-lhes e tentando absorver o melhor que elas têm a dar ao mundo, enquanto seres vivos e pensantes que são. Abraçando-as e amando-as. Acenando-lhes adeus à sua passagem por mim.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Desfocamo-nos

Desfocamo-nos perante o mundo.
Eternos seres desfocados.
Mortos.
Enterrados.
Recriados em pequenos paraísos paralelos.
Onde deambulamos, imaginados.
Sozinhos, belos.

Desfocamo-nos perante o mundo.
Perdidos seres de miséria que fomos.
Perdidos na ambição frágil que tivemos.
Estremecemos perante os ecos longínquos
Dos nossos entes defuntos.
E recriamos, orgulhosos, memórias infelizes,
Histórias impossíveis,
Silêncios desesperados.