terça-feira, 29 de setembro de 2009

Melhor que Peixe

O avô do Miguel sempre que bebia um bom conhaque dizia que era melhor que peixe.
Miguel, levou anos a perceber que o conhaque que o avô dizia ser melhor que peixe, simplesmente o era porque não tinha espinhas.
Até que um dia o pobre Miguel, já casado e com filhos, lembrou-se que existiam filetes, prontos a comer e sem sombra de espinhas.
Mas o avô já tinha morrido e desses tempos, apenas lhe restava uma garrafeira onde, curiosamente, não sobrava nenhuma garrafa de conhaque.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Strange Days ou simples dias animais

Antes de sair de casa, apanhei o meu vizinho a urinar no seu quintal. Nada a assinalar, se não fosse o facto do seu quintal estar ligado ao meu, devido à ausência de muro. Ou não fosse ele ter saído propositadamente da sua casa para aliviar a bexiga mesmo ali, a escassos metros da minha pessoa e onde, minutos antes, tinha estado o meu cão a urinar também.
De repente, lembrei-me daquele filme-estúpido-de-domingo-à-tarde em que um homem tem instintos animais e pensei que talvez fosse o caso, por várias razões: ter saído de casa para ir fazer o seu chichi no quintal; ter feito no exacto sítio onde faz o meu cão e alguns gatos forasteiros; ter sacudido as últimas gotinhas para o meu quintal, de frente para mim e olhando-me fixamente enquanto eu fechava apressadamente a porta (até o meu cão é menos promíscuo!).
Perguntei-me: onde é que esta gente pensa que vive? E a resposta foi óbvia: Queluz, Sintra, Portugal. Que podia muito bem ser: Amora, Seixal, Portugal ou Monte Gordo, Vila Real de Santo António, Portugal. A ideia é que em qualquer parte do nosso país há exemplares da nossa espécie que deviam estar enjaulados em troca da libertação de uns quantos hipópotamos e outros tantos abençoados animais.
Ainda há dias, vi uma mãe a felicitar a sua filha por esta ter cuspido no chão, justificando que toda e qualquer ranhoca devia ser expelida. Muito bem, senhora mãe! Outra, entrava no supermercado e açambarcava as cerejas com todas as mãos e boca porque "estavam apetitosíssimas" e incitava a sua pequena cria a comer também umas quantas. Outra, diz ao filho para não andar de costas porque isso é chamar o Diabo...
Claro que com modelos de educação destes em que uma mãe acha normal o cuspo no chão e o free-self-service e um pai mija aos cantos da casa e leva com o jornal quando não pede para ir lá fora fazer as necessidades, uma criança - um cidadão em fase de aprendizagem da cidadania e, quem sabe, um futuro dirigente político deste nobre país - não conseguirá perceber nunca o que é viver em sociedade e que coisa é essa que os pseudo-intelectuais apelidam de educação. E depois é o que se vê, basta ligar a televisão no tempo de antena.
Veio isto tudo a propósito de, até ao dia de hoje, ter tido uma certa fobia aos pombos, por os considerar ratazanas com asas: nojentos, feios e transmissores de doenças. Apenas até hoje, o fatídico dia em que vi o animal do meu vizinho urinar no quintal e, chegada ao trabalho, fui visitada por um pombo, meio-perdido, pelo qual senti logo uma certa simpatia, simpatia essa que progrediu à medida que o observava a ajudar-me na limpeza do chão e a fazer graçolas frente ao espelho.
... "E vem-nos à memória uma frase batida": Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto dos animais (até dos mais nojentos).

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Fora da Grande Tela

O táxi pára. Pedes-me um euro para ajudar a pagar. Dou-to e saio, depois de dar uma última vista de olhos no banco e no chão da viatura. Tenho medo de ter deixado para trás alguma coisa. Sais logo a seguir a mim. Segues-me os passos. Imitas-me a velocidade. Está frio e os nossos vapores fundem-se quando ambos nos olhamos e dizemos banalidades.
Apaixonas-me. Os teus gestos e a tua boca. As tuas palavras e as tuas mãos. O teu olhar que se dirige, meigo e hesitante, na direcção dos meus lábios. Há muito que te procurava e agora, finalmente, poderemos percorrer aquele caminho que ambos sabemos onde vai dar. Sinto-me no final feliz duma qualquer comédia romântica e não me importo.

Mas a realidade é outra. Os filmes estão presos nos cinemas e nas televisões e o amor com eles. Não há táxi nem trocos, muito menos frio que nos faça expelir qualquer vapor das nossas bocas. Não há noite em que tenha embarcado na tua companhia. Apenas dias em que te sonho e que te pressinto. Apenas uma estranha sensação de te vir a conhecer e abraçar num dia cinzento e fresco, de um belo e nostálgico Outono. Fora da grande tela.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Pombos

Nesta cidade, os pombos andam por toda a parte mas têm lugar certo para morrer. Assim como eles, também os homens vagueiam pelas ruas e estão por toda a parte. Os seus rostos multiplicam-se por outros rostos. E é fácil encontrá-los, seja na rua mais suja, seja no autocarro. Aos homens e aos pombos.
E, tal como todos os outros seres, morrem. Em lugar certo e previamente escolhido. Mesmo que inconscientemente, todos eles - homens e pombos - sabem onde querem morrer e onde lhes é dada essa oportunidade. Chegados a hora e local certos, dão o último suspiro e deixam que o resto aconteça: um carro lhes passe por cima, o coração pare, a doença vença.
Dos pombos, jazem os seus corpos cinzentos-escuros de poluição nos canteiros do jardim, junto a alguma tampa de esgoto ou num qualquer carril ferroviário. Dos homens, jazem os seus corpos descolorados em cemitérios que antes fossem jardins ou esgotos.
Pouco ou nada os distingue ou os separa, aos homens e aos pombos. Ambos preenchem as cidades, os jardins. Ambos transmitem doenças e ambos deambulam na vida com semelhantes certezas e demandas de quem vive por instinto.

sábado, 12 de setembro de 2009

Por onde?

Onde me perco eu, que não me encontro? Onde te busco, que não te vejo, nem cheiro, nem oiço? Por onde tenho andado eu, que caminhos terei descoberto enquanto me e te procurava?
À noite, tremendo debaixo de lençóis esbranquiçados, encontrarei a razão que me trouxe até aqui. Então, preferirei todos os outros medos e pesadelos, que se vivem de olhos abertos em plena luz do dia, ao suor frio que irei suar. Aos dedos trémulos que prenderão a roupa da cama. Aos sons que de perto me rondarão, e que não serão ratos, nem ladrões, nem tão pouco almas deste mundo.
Mas só à noite saberei onde me encontrar, onde te buscar, onde nos procurar. Só à noite descobrirei que o onde que me perturba e intriga, é o sítio onde sempre me detive para pensar em nós.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Beco do Imaginário


Onde morei um dia. Onde morarei um dia. Onde tu moravas e eu não sabia. Beco do imaginário do meu pensamento. Canto perdido e escondido, onde moramos os dois, desde sempre e para sempre.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Hoje voltei a vê-lo, o homem do turbante vermelho. Puxava uma corda e dizia adeus às coisas bonitas da vida.