terça-feira, 9 de julho de 2013

Preciso do certo e do errado
Para tomar balanço e saltar.
Isto de se tomar consciência do que se é,
Um ser indubitavelmente errático,
Com pernas, com pés,
Com cara de parvo,
Não é fácil.

É piscar os olhos e perceber que lá dentro há qualquer coisa,
Que vai e vem.
Que o cérebro  se apaga, à mínima martelada,
Mas que é preciso martelar-se muito na vida
Se se quer ser alguém.

Preciso do certo em certa medida,
Do errado, em certa outra.
Não estou bem em lado nenhum,
Mas também já percebi que isso a poucos importa.

O que importa é se há pompa e circunstância,
Nas anormalidades que pratico.
Se no dia do juízo final
Existe alguém que perca a cabeça
E o juízo.

Se as flores estão baratas e se há jazigo
O canto certo, nas medidas certas
Para todos em coro aplaudirem e dizerem:
- Ah, assim está bem!
Que isto de se enterrar quem cá não faz falta,
Dá um trabalho do caraças, mas compensa.

Oh se compensa!
A florista, o cangalheiro,
Todos ganham, mas ninguém esfrega as mãos de contente
Não à frente de toda a gente,
Só lá em casa à hora do jantar.

Não sei afinal,
Se preciso de ter conhecimento e proporções ideais
De certo e de errado,
De tomada de consciência da inconsistência que tudo isto é.
Talvez devesse apenas,
Encorajar alguns a irem ao meu funeral,
Suborná-los com bebidas,
Mostrar-lhes o corpo,
Escrever-lhes versos
E ser patética, como sempre,
A fingir que sou gente,
Sem grandes filosofias
E deixando de parte a sinceridade
E a vontade de pagar
As pequenas dívidas

Que não parei de acumular.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Amanhã


O carteiro vai tocar a todas as campainhas. Vais acordar feliz. É hoje. Não, não é. Meia-dúzia de jornais deixados dentro da meia-dúzia de caixas de correio existentes. As últimas promoções do supermercado, já as sabes de cor. É lê-las e relê-las enquanto te deixas estar sentada na sanita. Muita carne e nada que te apeteça. O vizinho dir-te-á bom dia, apesar de saberes que ele não quer nada contigo. Ainda há dias se queixava por teres feito barulho ao chegar, algures num sábado de madrugada. Tenho ideia que eram cinco da manhã, hora local. Os pássaros já cantavam, nas árvores. A tua casa, um império de cinza perdida, por cinzeiros, pratos, copos, chão. A higiene há muito que não te visita. Nem o teu pai, pensarás tu. Permaneces quieta, na cama, com a ideia fixa de que amanhã haverá correio para ti. Uma carta manuscrita, um endereço legível, um beijo de despedida. Um encontro marcado e tu ousarias tomar banho, maquilhar-te. Eventualmente usar aquele perfume que continua literalmente na prateleira, selado (a tua madrinha que não o sonhe). O carteiro tocará todas as campainhas com o mesmo desdém que se levanta todas as manhãs. O mecanismo fisiológico dele é muito parecido com o teu, só que ele tem – ainda! – um trabalho. Desdenharás, mal abras a caixa do correio, todos os seres que te ignoram e que negligentemente te fazem infeliz. Correrás escada acima com o jornal na mão, acompanhado por três ou quatro folhetos destinados a potenciais turistas seniores. Estás na idade em que não és a carne que tanto repudias, nem o peixe que tanto evitas. És um nem-uma-coisa-nem-outra. Adorarias ser uma alface, fresca e viçosa, comodamente arrumada na gaveta do frigorífico. Mas não fazes por isso. Vestirás outra vez o pijama. Terás a certeza que não te apetece comer nada daquilo que vem promovido no jornal, nem tão pouco o presunto que vem de oferta com uma viagem a Badajoz. Saber-te-ás sozinha, neste espaço que habitas, mas também em todos os outros que possas vir a habitar. Pode ser que morras acompanhada, numa desgraça qualquer, por meia-dúzia de pessoas tuas desconhecidas. Nunca se sabe. Corre as cortinas, pelas minhas contas já passará do meio-dia. Mete-te debaixo das mantas. Falta pouco para anoitecer, basta sonhar. Basta crer que amanhã será outro dia.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Primeira dor

Dói-me o peito, do lado esquerdo.
É uma dor, é um desespero.
É um enredo de fumos e maus-tratos,
Um simbólico coração partido e os seus cacos.