quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Caminho

Há quem, nos autocarros, ostente cartazes feitos de cartolinas, visivelmente danificadas pelo tempo, com palavras de ordem escritas a sangue. Dessas palavras de ordem, vou morrer aqui é o que mais se lê. Há quem implore um ombro onde chorar e há quem grite por um abraço ao final do dia.
Há quem, nos autocarros, se detenha nos vidros maravilhado com o seu próprio reflexo. Há quem mande sinais de vapor para o exterior. Há quem se contente com um S.O.S. em código morse.
Passo ao lado da paragem. Reconheço os rostos e os cartazes daqueles que estão prestes a começar mais uma viagem. Detenho-me num rosto triste que grita Quero atenção! e perco-me na imensidão dos olhos que me segredam eu já fui feliz.
Mas caminho. Caminho porque nada mais há a fazer. Caminho ao lado da estrada, por um estreito passeio mal empedrado. Já sem os meus velhos cartazes, abafo os meus gritos desassossegados e entrego as palavras de ordem a quem queira fazer uso delas.
Sei o seu caminho de cor - do autocarro e dos seus passageiros permanentes - e percebo que não preciso mais de empunhar cartazes e desafiar os rostos que lá longe espreitam essa estranha demonstração de humanidade, que lá em baixo observam perplexos essa estranha viagem.
Agora. Desde há muito e principalmente agora. Sei por onde vou. Sei quem sou. E se por algum infeliz acaso me enganar no caminho, o mais provável é ir parar a um velho atalho meu conhecido, daqueles onde um dia ousei perder-me e aquecer-me no fogo quente dos cartazes usados, das palavras gastas e dos rostos obcecados.

2 comentários:

Anônimo disse...

O teu cartaz diz "Sou eu". Ou "vão-se foder!" ?

Cristina H. disse...

O meu cartaz dizia uma série de barbaridades fruto de estúpidas frustrações, por isso decidi queimá-lo.
A fazer um novo cartaz, provavelmente meto as tuas duas sugestões, porque já chega de tudo o resto.
bjs brutos, suponho.