terça-feira, 24 de novembro de 2009

Aquele

Ela não conseguia percebê-lo. Deitava-se a seu lado, acendia-lhe cigarros e dava-lhe festas nos cabelos. Mas não era suficiente. Nada era suficiente, tratando-se ele dele mesmo. Aquele que não pestanejava perante o ódio. Aquele que não tremia perante o amor. Aquele.
Aquele que era insensível a todo e qualquer altruísmo circundante. Aquele que não queria prestar-se a semelhante papel.
Mas ela sabia: bastaria cair a primeira folha de um promissor Outono, para que todo ele se transformasse naquele outro ser. Destronado, desmascarado e fustigado por sentimentos nostálgicos que não conseguia apagar, revelar-se-ia humano perante a chuva miudinha e o agasalhar de um casaco há muito esquecido no bengaleiro.
E ela aguardaria esse momento para lhe lembrar que aquele que se disfarça nas fogueiras e nos gelos doutras estações, tem parte da vida por resolver no seu coração.

2 comentários:

Sheena disse...

Excelente texto...e uma interpretação extraordinariamente feminina - psicologicamente densa, complexa, de um universo masculino que eu qualificaria de geneticamente avesso à complexidade, ou à densidade psicológica...mas haverá excepções, para o bem e para o mal...um abraço!

Cristina H. disse...

Sheena (the punk rocker, eheheheh),
Muito e muito obrigada pela visita, pelo comentário e, sobretudo, pelo seu conteúdo!
Gostei do universo "geneticamente avesso à complexidade". Explica tanta coisa!!!
E lembre-se: a luta continua!;)
Um forte Abraço!