Apanho o autocarro na estação da Amadora. Eis-me bem sentadinha no 137, quem diria! 137 é um autocarro da Vimeca. Vi... Meca. Não vi Meca, mas vejo os fabulosos bairros sociais do Concelho. Algo muito mais valioso que o euro e noventa que paguei de bilhete. E assim, comodamente sentada junto à janela, vou admirando os gajos que passam os dias encostados aos pilares dos prédios, a enrolar ganzas e a brincar com os telemóveis. Vou contando os polícias que fazem patrulhas e os outros que fingem fazê-las, rezando para que nada aconteça.
Chego ao meu destino: dolce vita tejo. O novo centro comercial que abriu para estes lados. Não tenho visto televisão, mas aposto que alguém do governo se terá referido a ele como a prova de que a crise está a passar e como investimentos destes são importantes para o crescimento económico do país. Aposto, só. Espero que não tenha sido dito pelo gajo da voz anasalada, que eu já não posso com ele.
Tenho agendada uma entrevista de emprego, numa sapataria em que o preço de cada par de sapatos (por muito minimalista que seja) ronda os 100 euros. Como chego uma hora antes, trato de me entreter por ali. Páro numa espécie de café e peço um espresso e um bolo. A forma como os clientes são tratados, irrita-me. Depois percebo que este estabelecimento pertence a uma cadeia americana e compreendo o porquê do tratamento e também o porquê da quantidade de coisas pouco saudáveis à venda. Não sei se estou ensonada e a ver mal, mas toda a minha gente puxa do cartão para pagar, nem que seja apenas um café. Sou a única que paga com dinheiro vivo. Combatamos a crise com o endividamento das famílias, meus senhores! (leia-se com voz anasalada, por favor!)
A entrevista corre inesperadamente mal, para o entrevistador. Não está munido do meu curriculum e esqueceu-se por completo que a tinha marcada. Fala comigo à porta da loja, num gesto pouco profissional a meu ver. Dou-lhe uma cópia do meu curriculum e ele olha, mas vê-se perfeitamente que não lê nada. Pergunta se tenho experiência em atendimento ao público e diz-me que depois contacta-me para futura entrevista.
Garanto aos meus leitores que não sou nenhum quasimodo, nem nenhuma Maria de Lurdes Rodrigues, mas parece-me que nestes sítios não vão à bola comigo. E eu, depois destas entrevistas amadoras, fico com uma péssima imagem das empresas e esforço-me por falar mal delas a toda a gente. É a minha pequena vingança pessoal. É o meu orgulho e a minha forma de sobreviver às coisas.
Nisto, recordo que tive resvés para ir trabalhar numa livraria que abriu também neste centro comercial. A entrevista correu muito bem e notei que eles simpatizaram comigo. Prometeram contactar-me, mesmo que fosse para me dar más notícias. Ficaram satisfeitissimos por saberem que eu gostava de ler e escrever. Disseram-me mil maravilhas e que a ideia era ser um sítio muito cool, com sangue novo, assim à semelhança do pessoal que trabalha na fnac. Pois, pois...
Eu e a minha curiosidade mórbida fomos passear e encontrámos a livraria em questão. Desde os livros ao pessoal que lá trabalha, tudo me pareceu bafiento, mofento, entediante. Tinha prometido puxar-lhe fogo, mas achei que se aquilo começasse a arder, mais mal cheiraria. Guardei o isqueiro e as acendalhas e observei bem as caras de quem me ficou com o emprego: saí vitoriosa!
Por onde ando, há mil e um cristianos rolnados e até um elemento verdadeiro daquela defunta ""banda"": os d'zert. Os cristianos rolnados, versão Concelho da Amadora e arredores, são, tal como o original, uns belos pategos: mal penteados, mal vestidos e com brilhantes falsos a infectarem-lhes as orelhas. Ainda por cima não conseguem arranjar Merches nem Nereidas, ficando-se pelos trambolhos mais mal esgalhados da freguesia, daqueles que aos 16 anos começam a parir, engordar e "entrambolhar" ainda mais.
Dolce vita não faz sentido, passados cinco minutos lá dentro, percebo isso. Está cheio de gente durante a semana, às quatro da tarde. Cheio de gente desempregada, cartões de crédito e miúdos que fizeram gazeta à escola. É o fare niente português, é mais um circo para entreter o povo e os media. É mais um lixo, daqueles que não faziam falta nenhuma a este país, mesmo apesar dos não-sei-quantos empregos que veio trazer à região.
Sinceramente, vou propôr à direcção mudar o nome para Dolce Mitra Tejo. É um nome mais realista e divertido, a meu ver.