terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Janela

Acabada de acordar, acendo. Um cigarro, também. Folgo em ver, do outro lado da suja janela, as árvores a tremer, os gatos a gemer, as pessoas a esfregar as mãos enquanto correm para o trabalho, neste frio de Janeiro. Se Deus existisse – e eu sei que não existe - chamar-se-ia Pássaro e cantaria ali, perto dos melros que avisto. Se Deus existisse, a criança traquina que não ouve a mãe e corre para a estrada, seria atropelada, mas não morreria, apenas aprenderia a lição.
Neste traje de observador descredibilizado, abandono a janela por breves instantes e recolho-me mais um pouco na cama, para pensar. Se és tu quem ainda dorme, ali enroscado, ao meu lado, já pouco me importa. O meu corpo, prisioneiro de memórias distantes, há muito que não sabe o que é estar vivo. Se não me enterro, é porque não tenho dinheiro para o funeral.