segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ressaca

Uma leve saudade do beijo que não se deu e música alta a tocar. Pareces curada daquela que parecia ser uma ressaca, daquele que parecia ser um amor. É mais fácil desculparmo-nos com o excesso de álcool do que com a carência em excesso. É mais fácil acordarmos sozinhos sentindo uma dor-de-cabeça do que acompanhados fingindo agrado. Os bons dias e as boas noites continuarão guardados na gaveta das despedidas e dos amores que podiam ter sido. A integridade que velas todos os dias, continuará fechada nesse caixão que por vezes se balança em danças de ritmo cardíaco. Querer defendê-la de situações hipotéticas é-te mais presente do que a própria noção de integridade. A inquietação, que te assola à noite, quando te vês confrontada pelo desejo, não passa da faixa 8 do disco que ouves. O revólver, escondido debaixo da almofada e com o qual anseias jogar à roleta russa, continuará à espera do seu momento, enquanto te espreguiças e danças, de janela aberta e sem medo de ser vista nua.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Retrato (uma prosa transformada poema para o Dia da Poesia)

Um retrato pendurado na parede.
Uma senhora antiga, muito bem vestida, olhando o infinito em tons sépia.
No chão, deitado sobre um colchão velho, mira o retrato da parede,
Pedindo clemência.

Pelo chão, fotografias suas, desbotadas, de outros tempos.
Aqueles em que fora feliz.

Não há nada a perder neste tempo em que vive.
O quarto, emprestado, é o último tecto que lhe resta.
A manhã, que lhe entra pela janela, a última memória que o assombra.
O relógio, sempre atrasado, é o último tempo que conhece.

Nada mais sobra, dele e do tempo que passa.

Nas suas mãos encardidas, as memórias vão-lhe surgindo, através de velhas fotografias dela.
Houve um tempo, passado, que o fizera sorrir.
Houve um tempo, esquecido, que fora o único tempo em que quisera estar presente.
Tudo o resto era ele, um resto, uma sombra.
Um desespero.

Tinha sido um homem.

Tinha amado como ninguém aquela que desbotada lhe sorria,
Fotografia após fotografia, pelas mãos gastas.
Era ela quem ainda lhe trazia luz,
Para além da manhã que lhe entrava pela janela.
Era ela quem ainda lhe acendia os cigarros,
Que ele fumava, um atrás do outro,
Naquele espaço tão complicado em que se tornara a sua própria vida.

Não entendia os anos que tinham passado.
Não os sabia contabilizar.
Não os conseguia medir, nem mesmo olhando para o relógio,
Nem tão pouco através das rugas que lhe moldavam o rosto.

As suas mãos, pesadas,
Escrutinavam todos os retratos.
O de uma senhora antiga que não conhecia, os dela que lhe passeavam pelos dedos e lhe davam voltas ao coração.
A miséria, não era aquele quarto, não era aquele colchão.
Era ele.


(texto original de 12/2010)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Bloqueio


Eu sei que devia publicar qualquer coisa, só para dizer que estou viva, só para manter vivo o blogue. Sim, estou viva, tenho saúde, mas falta-me inspiração. Sim, o blogue está vivo, continua a ser visitado, por mim e por meia dúzia de pessoas, mas carece atenção. Minha, claro está.
Ando chateada.
Primeiro, os acordos ortográficos que deambulam por aí, infiltrados em todo o lado, até nos correctores automáticos, selvaticamente retirando-nos letras e acentos onde sempre os pusemos, sem pedirem licença, nem desculpas. Mal educados, os gajos. 
Depois, chateia-me esta minha falta de habilidade para a escrita, cada vez mais visível, cada vez mais difícil de esconder, que me torna num ser inseguro se por acaso não tenho por perto um corrector ou um dicionário online, que me leva a escrever erros hediondos, quando eu penso que estou a escrever a mais nobre obra literária, que me faz temer que apareça a professora de português do quinto ano e me diga: nunca mais te dou um cinco na vida!
Devia escrever, eu sei. Assiduamente, obviamente. É a única coisa que eu devia fazer na realidade, todos os dias, quando tenho uma folha ou um teclado entre mãos. Devia escrever, em vez de falar, em vez de deambular por aí, em vez de me envolver em conversas de cabeleireira ou insistir em estados letárgicos entre a cama e o sofá, as contas para pagar e a lida da casa.
Mas maldito bloqueio, que não sei donde vem, para onde vai, porque insiste em bloquear-me a pequena veia - que até há bem pouco tempo - ainda bombeava qualquer coisa. Essa veia fininha, invisível e frágil, que se chama Veia Literária. Maldito bloqueio que me afecta as mãos e os pensamentos e que não me deixa terminar nenhum texto, não me deixa concretizar uma ideia que seja, que me afasta de tudo quanto é ferramenta de escrita ou fonte de inspiração.
Maldito bloqueio, tenho uma mensagem para ti: vai à merda e deixa-me escrever!