quarta-feira, 21 de março de 2012

Sangue no nariz

Acalmei um pouco e o resultado foi sangue a sair-me do nariz, anunciando a boa chegada da Primavera ou - para meu desespero! -  a boa-nova de que a vida um dia acaba e esta máquina, exausta de tantos maus-tratos, também falha.

Tinha o teu retrato na mão e um pedaço de pão com manteiga na outra, feita tonta, no meio da cozinha, a lacrimejar porque achava que assim a hora do lanche tinha mais por onde se lhe pegar. O telefone tocou. Do outro lado da linha de satélites apontados a nós, uma jovem falava-me das vantagens de uma parabólica em plena fachada de prédio centenário no centro histórico. Ouvi-a com a educação de quem já esteve lá, na grande fila para a entrevista para o lugar de comercial de telecomunicações. Recordei-me da história das percentagens de vendas e mais o contrato mensal de trabalho e ouvi-a até ao fim, sem nunca contrariar uma única palermice e dizendo que talvez, talvez para o mês que vem.

O teu retrato, recordo-o agora: tinhas menos cabelos brancos e ainda me lembro como tu – neste exacto retrato – ainda me fazias sonhar com a promessa de um amor que nunca deixaria de o ser. Agora, tantos anos passados, tantos lençóis trocados, tantos e-mails batidos, não me resta mais que a dor-de-corno, aquela eterna companheira de quem deixa fugir o seu primeiro amor com a primeira vaca que aparece e nada mais faz se não lamber chocolates e lágrimas e procurar a resposta nas projecções astrológicas de uma revista de euro e meio.

Não é que seja obtusa, mas não encontro especial interesse na minha vida, numa tarde como a de hoje: trancada em casa, pão com manteiga a mais, o teu retrato usado de mais, o pijama sebento de mais. Uma ou outra lágrima, seca, agarrada à maçã de rosto. E agora, o sangue, a sair-me do nariz, altivo, indiferente à dor que já é toda esta envolvente de desespero, de estar sozinha, num quinto esquerdo, com um gato a pedinchar comida, um coração a pedinchar razão e a porcaria a fazer-me comichão.