quinta-feira, 21 de julho de 2011

Aqui podia morar gente.



(imagem retirada ao acaso do blogue: http://dranibalribeiro.blogspot.com)

Entre o cais e o comboio

Entre o cais e o comboio, há um homem que morre. Aflito na sua vergonha, seguro na sua certeza. Há um homem, que sacode a água do capote, desse dia cheio de chuva, e deita-se à linha como se mergulhasse no mar, jovem e belo, naquele outro tempo que agora recorda com saudade. Há um homem que, num milésimo de segundo, revisita toda a sua vida e não se arrepende de nada. Deixando-se cair, deixando-se morrer. Abandona-se despreocupado, entre o cais e o comboio.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

As dificuldades de um blogger.

Por vezes, tenho dificuldade em escrever aqui. Passo dias a fio em que não me surge um tema nem uma palavra. Passo noites em claro, onde me ocorrem as mais belas metáforas, as mais confusas e apaixonantes histórias, para depois - já de manhã - o sono e o cansaço limparem-me tudo da memória, como se se tratassem de funcionários exemplares da empresa de limpezas contratada para o efeito.

Há dias em que estou realmente vazia. Vazia de ideias e de sentimentos, vazia de palavras, vazia de vontades. Dias em que sou uma cabeça oca que se senta frente ao computador a 'folhear' sites de notícias, a pesquisar conhecidos - daqueles que nem se gostava muito quando havia proximidade - numa das redes sociais mais badaladas do momento (sim, também estou lá). Nesses dias, é muito comum deixar-me levar por futilidades e interessar-me por quem casa, por quem morre ou por quem escandaliza o mundo com o seu peidinho chanel na festa da tia botox.

Chego muitas vezes a escrever textos que acho geniais para, depois de um refresh, desaparecerem para sempre no éter da blogosfera. Nessas ocasiões, que não são tão poucas quanto isso (mea culpa, porque escrevo directamente aqui sem cópia de segurança no word), torno-me violenta e, à cautela, afasto-me do computador e da escrita durante tempo indeterminado para fazer o luto devido ao texto perdido.

Nem sempre a folha em branco recebe a minha essência: aquilo que sinto mesmo nas minhas mais profundas entranhas e que me palpita ainda sem palavras compostas por letras. As palavras, aquelas que me caracterizam enquanto ser literário e que são geradas nesses meus locais recônditos, demoram-se, abrindo espaço a lugares-comuns dentro dos meus temas favoritos: amor, morte e miséria humana. Poesias fraquinhas. Textos pobrezinhos. É tudo quanto me sai nesses dias.

Não sou nem pretendo ser negra, num sentido depressivo e mórbido da palavra, como este espaço se pinta. Sou uma pessoa optimista que, apesar de se vestir de escuro e ouvir muita música classificada de gótica (sabe-se lá por quem, meu Deus!!). Sei rir-me das adversidades da vida e, a meio de um choro compulsivo, sou capaz de soltar uma gargalhada só porque me lembrei de uma boa piada. Contudo, as alegrias escritas nunca me convenceram e, apesar de as escrever de quando em vez, não as considero cativantes nem tão pouco poéticas.

Esta é a primeira vez que escrevo sobre mim desde há muitos meses ou, quem sabe, mais de um ano. Deixei de desabafar sobre a minha vida pessoal, porque este espaço não tem cadeado como um diário. Sei que perdi seguidores graças a isso, mas não há fórmula que agrade a todos. E havendo, este blogue tornar-se-ia tão impessoal, que eu própria não me reconheceria nele.
Inspiro-me em tudo o que me rodeia, mas nunca desabafarei a realidade. A última vez, estava desempregada. Depois disso o mundo deu as voltas de sempre, aquelas que o seu quotidiano permite e, a minha vida, deu mais umas quantas e fez-me ir dar voltas ao contrário e parar um pouco antes do ponto de partida. Recomeço, todos os dias, desde então. Não vos conto por opção.

A ficção será sempre mais interessante do que a minha realidade. A minha realidade será sempre muito mais interessante quando ficcionada. Nada do que escrevo é totalmente alheio à minha pessoa, porque afinal eu sou as palavras que escrevo. Todas elas e mais as entrelinhas.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Impiedade

Farta dos teus gestos, pratico a impiedade.
Não te alimento, não te sustento.
Agarra-te ao que resta de ti.

domingo, 10 de julho de 2011

Papa

Adoro quando o mundo cheira a papa. Adoro ver as pessoas com papa nos cantos da boca, com papa a escorrer-lhes pelo queixo. Pessoas adultas e emancipadas, que trajam bibes e choram quando se sentem perdidas.
Adoro quando o mundo é um ensopado gigante de vomitado de papa. Figos e mel e pequenos flocos - de uma doçura inqualificável - misturados com o suco gástrico de todos os seres humanos do mundo.
Adoro quando o mundo não é mais do que uma ligeira indisposição que me acorda, um capricho sádico que me ocorre, um vómito colectivo que evoco, só porque odeio este mundo, mais do que o resto, por ainda cheirar a papa de criança.