quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Amor Urbano

Amor urbano,
Salpicado pela água da chuva que salta da calçada.
Que te molha os pés,
Que te suja o coração.
Amor calçada, dentro da tua urbe,
Imundo na sua essência.
Amor decência.
Amor carência.
Uma cidade inteira dentro de ti.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Era quase Natal

Era quase Natal e ele ainda não tinha dado por nada. Deitado no colchão encontrado, quase novo, encostado a um balde do lixo, passeava o olhar pelas fotografias dela. Descoloradas, as fotografias, reorganizavam-se nas suas mãos. E ela mantinha, em todas elas, os mesmos olhos, os mesmos lábios, o mesmo nariz.
Era quase Natal e ele acostumava-se ao cheiro estranho do colchão encontrado, quase novo, encostado a um balde do lixo. Acostumava-se ao duche rápido de água fria e à sopa, também ela fria, trazida por uma vizinha beata. Era quase Natal e as outras beatas, de tabaco de origem duvidosa, acumulavam-se entre o colchão e a porta do quarto. Ou o que restava dela.
Era quase Natal e, dos dedos encardidos não convencidos do fim daquele amor, nasciam novos cigarros e reorganizavam-se as fotografias, na esperança vã de um sinal. Recordavam-se encontros, beijos e abraços, noutros colchões, noutros quartos, noutros tempos.
Era quase Natal e não se lembrava que tinha fome, que a sopa fria podia arrefecer ainda mais e que as moscas acabariam por cair dentro dela e lutar até morrer. Era quase Natal e preferia afastar-se do prato e refugiar-se no quarto, segredando aos retratos palavras de amor, promessas de uma vida melhor, saudades absurdas e obscenidades permitidas.
Era quase Natal e ele, sem dar por nada, morria afogado em memórias inventadas, num colchão desfeito, encontrado no lixo.