quarta-feira, 28 de junho de 2017

Molas

O que é que tu fazes com o teu tempo, que não te sobra, que não te vê? Contas molas. Molas para prender a roupa lá fora. Questão primordial: ter molas. Motivo: ter roupa. Lençóis e toalhas de banho. Cuecas e camisolas de algodão. Contabilizadas para sobreviverem até à próxima crise, até depois dessa crise. Molas que te prendem a roupa. Respiras e olhas para o estendal. Tudo permanece cândido, meneado pelo vento. Hoje está vento, sabes? Levantas-te. A tripa que te anda às voltas, a cabeça que não pára sequer para pensar. E da máquina, eu sei que sabes, ouves-lhe o centrifugar final. E pensas: mais roupa, não sei se tenho tantas molas. Casa-de-banho. Sentas-te na sanita, fazes o que tens a fazer e o papel higiénico – pensas – está quase a terminar. Preocupas-te com a roupa e o vento e dás uma corrida até à varanda, para ver se está tudo bem. E bocejas e arquitectas um plano que seja favorável a uma  sesta. Mas a máquina já parou e tens de te livrar depressa da roupa, porque nada na tua vida é mais importante que estender, secar, apanhar, arrumar a roupa. A roupa que não te faz falta, a roupa que podias muito bem acumular mais um bocadinho no cesto. Mas o cesto. O cesto quer-se sempre vazio, porque sabes que depressa o vais encher de novo. De tretas. De desculpas. De mais roupa. E o que é feito das molas?