domingo, 29 de maio de 2011

A Lista de Compras

Demasiada humilhação esta, de te escrever de pé, num papel perfumado ridículo, a lista de compras que quero que me tragas antes da noite cair. A única folha que tenho. O único perfume que tenho. A única esferográfica que tenho. A caligrafia nervosa de quem prepara a mala às escondidas para o dia da partida. A ansiedade seca de quem tem fome e sede e desejo, tudo num só coração, pequeno e fraco demais para ser guardado em vão, dentro de mim.
Demasiada espera esta, dentro de um relógio que tem os minutos contados. Dentro de um poema que escrevo e amarroto, misturado com o leite e a manteiga que quero que tragas sem falta. Outro poema, inacabado. Outra lista, mais pequena, menos amanteigada. E eu, toda rasgada e perfumada, tal e qual esse papel perfumado ridículo.
Chego a fazer coisas sem nexo, enquanto procuro respostas para tantas outras, também sem nexo, que anteriormente fiz. Chego a procurar a razão dentro de um saco de aspirador cheio de pêlo de gato e cotão. Chego a espremer, quando nada mais há em todas as embalagens de todos os produtos que colecciono por aí. Pode lá estar tudo ainda. Posso acabar por me espremer, sem querer, e sair algo dentro de mim.
Cuido da casa, como queria que alguém cuidasse de mim. E no fim, bates-me à porta. Trazes um saco de compras e um sorriso pateta de quem adivinhou tudo aquilo que eu queria, para passar bem, mais uma noite, mais um dia, mais uma semana, mais uma temporada. Uma eternidade pegada. Uma guerra, uma intempérie. Um desassossego, um transtorno. Um desespero, um abandono.
Escondo, culpada, a lista e o poema. Trazes tudo o que eu queria, só te esqueceste de mim.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Da saudade, ainda.

Falo da saudade, ainda. Daquela espingarda encostada ao peito e daquele som estridente que anuncia o fim de um coração que bate.
Falo da saudade, ainda. Daquela condição infeliz de te reencontrar deitado, sem vida, de peito rasgado e coração arrombado.
Falo da saudade, ainda. Enquanto a loucura mo permite, prisioneira de quatro paredes almofadadas e de uma janela gradeada.
Falo da saudade, ainda. Quando corto os pulsos, com a mesma lâmina que me aparou o sofrimento.
Falo da saudade, ainda. Ao espelho, reconhecendo um rosto enrugado coberto de lágrimas secas.
Falo de saudade, ainda. Quando falo duma mulher morta, desassossegada por pensamentos que não conseguiu enterrar consigo.