quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O homem do turbante vermelho

Desce o andaime. São dez da manhã e todo ele é suor. Todo ele e todos os outros. Limpa as mãos, enluvadas, no turbante. Alguém espirra e ele foge. Para muito longe. Jamais voltará, todo ele, a ser suor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Algures...


... Entre o céu e a terra. No Porto.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Pensamentos

As pessoas detêm-se no passeio, a olhar para o carro que está a ser rebocado pela polícia. Ao cimo da rua, surge uma ambulância. Alguém menos atento, pensa que a mesma vem em socorro do carro rebocado e dos prováveis mortos resultantes do acidente contra a montra da loja chinesa. E excita-se.
Aquele taxista qualquer dia vê quem é que manda aqui, murmura o sem-abrigo e atravessa apressadamente a rua, quase derrubando três adolescentes muito produzidas. Do outro lado, espera-o um copo cheio de tinto: o primeiro da manhã. Ai como o primeiro me sabe bem!
Os pensamentos ouvem-se alto. Ouvem-se e confundem-se com as conversas de esquina, das mulheres das mercearias, dos homens das drogarias. Os pensamentos tristes sobem pelo ar e ficam presos nos fios de electricidade, à espera que alguém os chame de novo para mais uma volta. Os pensamentos felizes, sorriem nos lábios das pessoas, nos olhos brilhantes, nas mãos dadas que transpiram.
Algumas pessoas, aprendem a viver com os seus pensamentos e outras ignoram-nos, acreditando que nunca pensam em nada. Estas últimas, acreditam também que nada as detém e nada as atormenta. Como se não pensar em nada fosse uma dádiva, à semelhança do que acontece quando nos livramos de uma quinquilharia que temos a mais na sala.
Combatendo o descuido dos seus donos, os pensamentos esquivam-se e vivem por aí nas ruas, ao deus-dará. A mendigar amor e compreensão. A chorar e a rir e a fazer de conta que está tudo bem.
No entanto, basta uma sirene soar no ar ou um guinchar de pneus para que as pessoas voltem a pensar, sobretudo se a desgraça for das boas. E basta que a sirene se desligue e o carro continue a sua marcha, para que voltem a deixar escapar os seus pensamentos e regressem leves às suas rotinas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A prostituta

As pessoas riam-se ao assistir ao espectáculo protagonizado pela prostituta mais os seus artefactos, supostamente sensuais. A própria prostituta ria-se de si mesma e desse espectáculo decadente que encenava. Tinha-lhe sido difícil ensaiá-lo e mais difícil ainda era representá-lo com naturalidade, mesmo após tantos anos de prática.
No final, as pessoas riam-se ainda mais, enquanto metiam mais umas notas no cesto que circulava pela audiência, num misto de caridade e demência.
No final, a prostituta recolhia o dinheiro e tomava consciência do quão ridícula a sua vida se tinha tornado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Assumo-o sem pudor

Sou uma mulher de redundâncias, de pleonasmos redundantes e de redundâncias pleonásticas.

Blogue morto, blogue posto.

Já houve quem me sugerisse, com alguma razão, que eu devia matar o blogue e fazer um completamente novo e renovado, pouco divulgado para evitar as pessoas susceptíveis de se ofender com um palavrão ou com uma ideia mais perversa.
Se, por um lado, sinto que os meus textos são interpretados de uma forma que nada tem a ver, por outro lado, sinto-me tentada a tornar o Coisas Gordas e Más num cantinho de má-língua e lavagem de roupa suja... mas eu não sou dessas e não me posso deixar levar pela conversa de um qualquer anormal que me meta os nervos em franja de tão estúpido que é.
Por isso, vou levar o blogue até à praia e deixá-lo correr à vontade na areia. Se for ao mar tomar um banho, eu não o vou vigiar. Se morrer afogado, tanto melhor. Crio outro, que este já está velho e anda muito mal frequentado.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

30

Não é o número. Não é a idade. Não são os 18 anos que já lá vão. Não são os primeiros cabelos brancos que aparecem. Não é a pele que dá os primeiros passos no processo de envelhecimento. Não são os amigos já casados e com filhos e os outros tantos bem instalados profissionalmente. Não são as contas que obviamente se fazem ao tempo que passou e ao tempo que passará. Não são as oportunidades perdidas e o que não se fez. Não são as cadeiras vazias na mesa de esplanada. Não são as noites passadas em casa. Não são os amantes errados e as paixões platónicas eternas. Não são os sonhos cada vez mais amargos. Não é a sensação de que tudo continua exactamente na mesma.
É tudo o resto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Este Papá que vos fala

É o mais recente livro de Alexandra Solnado e promete revelações que o próprio Jesus Cristo se recusou a fazer durante os serões passados na cabeça da autora.

sábado, 8 de agosto de 2009

O tempo passa depressa, é um facto.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

João, o Neogótico

Desce apressadamente a rua de mãos nos bolsos, ao som do seu mp3. O dia está bonito e não há tempo a perder: não tarda o sol aparece outra vez, o que é que se pode esperar do Verão? Contempla o céu cinzento matinal e segue o seu caminho.
Veste t-shirt cor-de-rosa e tennis brancos, de marca. Coisas de mãe, querer ver um filho bem vestido e bonito, sem aquele ar depressivo que lhe dá o negro. Não há muito a fazer quanto a isso e as roupas que recebe no Natal até lhe dão algum jeito: os trajes negros de outrora já não lhe servem. As botas militares, sempre limpas e brilhantes, foram-lhe confiscadas pelos avós. Do seu passado, nem a aparência. Contudo, é hoje que se assume neogótico.
João, o Neogótico, engordou. Culpa dos medicamentos de psiquiatria que anda a tomar. Ou apenas da milagrosa injecção quinzenal. João, o Neogótico, tentou mas não encontrou outra via para a resolução dos seus problemas, porque estes vão muito para além de não ter amigos ou de ter feito as amizades erradas. O cérebro humano é uma grande máquina, complexa e díficil de compreender. Nem tudo o que vem nos livros é verdade, sabe-o bem.
João, o Neogótico, chega ao seu destino: um pequeno recanto do jardim municipal. Ali está sozinho e quieto, a sentir a brisa da manhã. Ali, sonha que é elegante e que está fardado para uma qualquer festa underground, lendo avidamente um livro de Allan Poe enquanto espera a sua amada. Ali tudo faz sentido. Tem novamente 18 anos e todo o mundo, mesmo que muito negro e depressivo, está aos seus pés.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Luz da Entrada

Deixei a luz da entrada acesa toda a noite. Os vizinhos devem ter estranhado, ou talvez não. Devem ter-me julgado aterrorizada pelo facto de viver sozinha, ou apenas comentado que se continuasse assim, não ganhava para a conta da luz. Ninguém suspeita que foi sem querer, porque fazê-lo involuntariamente não tem piada nenhuma. Não dá azo a comentários, nem a falatório.
Deixei a luz da entrada acesa, porque me esqueci completamente de que a tinha ligado para que tu pudesses sair, com as tuas coisas, sem tropeçar em nenhum degrau. Quando te vi passar a porta do prédio, vim para dentro e desliguei todas as outras luzes. Enterneci-me com a sensação de estar sozinha num mundo que só a mim me pertence: a minha casa. Esqueci-me de tudo o que me rodeava. Perdi a noção do tempo, sentada e estática numa qualquer divisão.
Quando acordei deste estado, era tarde e estava sozinha. Ninguém respirava por aqui. Ninguém ocupava espaço algum. Só eu e o tic-tac de um relógio velho de cozinha. Só nós os dois e um bater descompassado de coração. Inspirei o suave perfume de incenso que ainda pairava no ar e adormeci, alheia a uma luz que deixei acesa.