segunda-feira, 11 de maio de 2009

Uma tarde bem passada!

Apanho o autocarro na estação da Amadora. Eis-me bem sentadinha no 137, quem diria! 137 é um autocarro da Vimeca. Vi... Meca. Não vi Meca, mas vejo os fabulosos bairros sociais do Concelho. Algo muito mais valioso que o euro e noventa que paguei de bilhete. E assim, comodamente sentada junto à janela, vou admirando os gajos que passam os dias encostados aos pilares dos prédios, a enrolar ganzas e a brincar com os telemóveis. Vou contando os polícias que fazem patrulhas e os outros que fingem fazê-las, rezando para que nada aconteça.
Chego ao meu destino: dolce vita tejo. O novo centro comercial que abriu para estes lados. Não tenho visto televisão, mas aposto que alguém do governo se terá referido a ele como a prova de que a crise está a passar e como investimentos destes são importantes para o crescimento económico do país. Aposto, só. Espero que não tenha sido dito pelo gajo da voz anasalada, que eu já não posso com ele.
Tenho agendada uma entrevista de emprego, numa sapataria em que o preço de cada par de sapatos (por muito minimalista que seja) ronda os 100 euros. Como chego uma hora antes, trato de me entreter por ali. Páro numa espécie de café e peço um espresso e um bolo. A forma como os clientes são tratados, irrita-me. Depois percebo que este estabelecimento pertence a uma cadeia americana e compreendo o porquê do tratamento e também o porquê da quantidade de coisas pouco saudáveis à venda. Não sei se estou ensonada e a ver mal, mas toda a minha gente puxa do cartão para pagar, nem que seja apenas um café. Sou a única que paga com dinheiro vivo. Combatamos a crise com o endividamento das famílias, meus senhores! (leia-se com voz anasalada, por favor!)
A entrevista corre inesperadamente mal, para o entrevistador. Não está munido do meu curriculum e esqueceu-se por completo que a tinha marcada. Fala comigo à porta da loja, num gesto pouco profissional a meu ver. Dou-lhe uma cópia do meu curriculum e ele olha, mas vê-se perfeitamente que não lê nada. Pergunta se tenho experiência em atendimento ao público e diz-me que depois contacta-me para futura entrevista.
Garanto aos meus leitores que não sou nenhum quasimodo, nem nenhuma Maria de Lurdes Rodrigues, mas parece-me que nestes sítios não vão à bola comigo. E eu, depois destas entrevistas amadoras, fico com uma péssima imagem das empresas e esforço-me por falar mal delas a toda a gente. É a minha pequena vingança pessoal. É o meu orgulho e a minha forma de sobreviver às coisas.
Nisto, recordo que tive resvés para ir trabalhar numa livraria que abriu também neste centro comercial. A entrevista correu muito bem e notei que eles simpatizaram comigo. Prometeram contactar-me, mesmo que fosse para me dar más notícias. Ficaram satisfeitissimos por saberem que eu gostava de ler e escrever. Disseram-me mil maravilhas e que a ideia era ser um sítio muito cool, com sangue novo, assim à semelhança do pessoal que trabalha na fnac. Pois, pois...
Eu e a minha curiosidade mórbida fomos passear e encontrámos a livraria em questão. Desde os livros ao pessoal que lá trabalha, tudo me pareceu bafiento, mofento, entediante. Tinha prometido puxar-lhe fogo, mas achei que se aquilo começasse a arder, mais mal cheiraria. Guardei o isqueiro e as acendalhas e observei bem as caras de quem me ficou com o emprego: saí vitoriosa!
Por onde ando, há mil e um cristianos rolnados e até um elemento verdadeiro daquela defunta ""banda"": os d'zert. Os cristianos rolnados, versão Concelho da Amadora e arredores, são, tal como o original, uns belos pategos: mal penteados, mal vestidos e com brilhantes falsos a infectarem-lhes as orelhas. Ainda por cima não conseguem arranjar Merches nem Nereidas, ficando-se pelos trambolhos mais mal esgalhados da freguesia, daqueles que aos 16 anos começam a parir, engordar e "entrambolhar" ainda mais.
Dolce vita não faz sentido, passados cinco minutos lá dentro, percebo isso. Está cheio de gente durante a semana, às quatro da tarde. Cheio de gente desempregada, cartões de crédito e miúdos que fizeram gazeta à escola. É o fare niente português, é mais um circo para entreter o povo e os media. É mais um lixo, daqueles que não faziam falta nenhuma a este país, mesmo apesar dos não-sei-quantos empregos que veio trazer à região.
Sinceramente, vou propôr à direcção mudar o nome para Dolce Mitra Tejo. É um nome mais realista e divertido, a meu ver.

10 comentários:

joao disse...

espetacular!!!

PuRpUrInA disse...

Ahahah, adorei! Simplesmente adorei. Inda nao fui la, mas pela tua descriçao axo que nem preciso XD os cristianos ronaldos com as suas ... "trambolhas" atras XD
***

Unknown disse...

Cara Cristina, qdo cheguei a Portugal, todas as entrevistas agendadas, todos os curriculos que foram entregues, promessas de estágios (mesmo os não remunerados) foram sendo adiados, adiadossss, não por mim!! eu precisava manter-me!! percebo pois muito bem, e posso pelo menos dizer q actualmente qdo vejo a cara dos que me fecharam as portas, sinto um grande alivio. Fazes bem em escrever sobre esses "porteiros", não sabem avaliar o perfil nem de si mesmos, imagine dos outros...darias uma ótima argumentista!!! escreveste um excelente "artigo"
Beijitos e FORÇA!!
Themis

Cristina H. disse...

Obrigada aos três pelos comentários!:D
E para a Themis que acertou em cheio na "coisa", acrescento que já tentei cursos ligados ao argumento, mas uns foram grandes fiascos e outros, cancelados. Ainda não desisti, mas entretanto tenho mesmo que tratar de arranjar um trabalhinho...
Muitos beijos e abraços para os três e muito obrigada pela força que me têm dado;)

odeusdamaquina disse...

Força Cris! Fazes-me lembrar eu aí há uma dezena de anos, a tentar arranjar empregos que eu nem gostava, mas só porque era pressionado pelos meus pais:-Tens de trabalhar! Olha que a idade passa! E outras merdas do género!
Depois, só apanhava merdosos, grunhos e afins. Às tantas comecei a fazer uma melhor. Passava nas entrevistas, entrava e no dia seguinte mandava tudo às malvas. Eles que perdessem tempo a arranjar outros tansos (como eu, na altura). Acho que isso não é para ti. Graças ao meu desejo, às minhas utopias, consegui estar a fazer o que mais amo.Acordo todos os dias com vontade de viver, de trabalhar. Seja a área que for, espera pela melhor coisa, por aquilo que queres mesmo e aí, atira-te de cabeça, dá o teu melhor. E o teu melhor é feito de inteligência, sensibilidade, educação, saber falar, saber ouvir.
Não te deixes arrastar na mediania que é este país. Conto-te este exemplo. Deixei de ser nutricionista, porque não abriram vagas no centro de saúde. Fiquei 8 meses desempregado. Bati mal na altura, mas ía quase todos os dias à biblioteca, lia os jornais, os anúncios. Até que um dia surge um curso de produção cultural, em Coimbra, no âmbito da capital da cultura. Era arriscado, mas era a minha área. Era pago (uma bolsa para comer e pouco mais-nem sequer deu para pagar a casa), mas o que importava era ser na área dos meus sonhos. Quando li o anúncio, senti aquela adrenalina, aquela vontade.
Era aquilo! Concorri, fiquei, adorei, amei, fiz amigos, conheci o teatro a sério. E no ano seguinte estava em Santiago a concorrer para uma companhia profissional. O Resto sabes tu um bocadinho. Era tudo isto que te queria dizer há uns tempos, quando combinei contigo. Quero dar-te força, dar conselhos (embora não seja nenhuma autoridade nem assim me considero). Acima de tudo sou um amigo, penso muitas vezes na tua situação e podes crer, já senti isso na pele, já passei pelo menos 2 vezes por desemprego longo.
Acima de tudo, força, acredita em ti, aguenta-te sem começares a fazer merdas ou a tomar merdas, acredita que aquele anúncio, aquele curso é o teu. Tens de sentir essa vibração interior, essa energia. Não é nada de esotérico, é um entusiasmo quase infantil. Quando for, é isso!!!
Muita força. Gostava de poder ajudar mais. Posso ver cursos e outras coisas aqui em lisboa (ou formações remuneradas, vou tentar, a sério). Infelizmente estamos numa fase muito má. Mas vai à biblioteca. A biblioteca é boa porque podes ler em silêncio, ver as coisas com calma e se estiveres farta, pegas num bom livro e podes ler, ou ouvir um som, ou ver um dvd. Desculpa tudo isto, quero muito ajudar. Só posso ajudar consoante a minha experiência e cada pessoa tem a sua visão, a sua experiência de vida. Mas, espero que possa ter dado alguma ideia. E claro, o texto é muito bom, porque toca nas feridas, porque mostra a realidade do dia-a-dia de um país que adora navegar na
me(r)diocridade! Beijo!

Alexandre disse...

excelente descrição desse nóvel colombo. não faço tenções de lá ir, até porque nunca daria 100 euros por um par de sapatos.

Mistress C disse...

Será que um litro de pulp fiction é considerado um "shot"?

Cristina H. disse...

Vamos por partes:
- Odeusdamquina, obrigada pelas tuas palavras. E fica descansado, que havemos de ir beber o nosso café algures em Sintra (parece-me o sítio mais apropriado, ehehe) para metermos esta e outras conversas em dia!!
- Alexandre, seja bem re-aparecido! Agradeço também as palavras e posso garantir que na sapataria em questão nem 5 euros eu dou por uns sapatos!:)
- Mistress C, aqui é um espaço de comentários a um post sobre o dolce mitra tejo e o desemprego, não é o balcão do bar, mas... podemos beber uma litrada de pulp fictions como se fosse um "piqueno" shot, eheheh! Quando é que vens cá matar saudades do roteiro do álcool e do M-E-D-O?:))


Beijos para todos vós, são todos pessoas extraordinárias e muito simpáticas!***

Unknown disse...

Olá Cristina,
Alguns dias passaram-se e eu não acompanhei os comentários, mas odeusdamaquina conseguiu realmente ser bastante fidedigno no comentário. Penso q estás a desperdiçar o seu talento, és tão melhor q esses vendedores. Sabes, esses dias fui a Bertrand, comprar um dicionario, o tipo que atendeu-me não andava....arrastava-se!! não tinha interesse em vender, queria despachar-me, estava a refilar pq eu queria um dicionário Português-Inglês / Inglês-Português que não fosse enorme, e ele a dizer: q "isso" não existe no mercado" :0 e eu a falar q existia que já havia adquirido um na própria Bertrand. Além disso apesar de ter muito o q fazer, frequento sempre Centros Comerciais p ir ao cinema, e qdo vou as lojas nem sempre o atendimento é educado, quando muito ouço é um sussuro: - precisa de ajuda? ..... por essas e por outras, penso q estás um bocado acima disso, eu passei dificuldades em conseguir um trabalho, fui desacreditada, me trataram com desdém, consegui um estágio no Monte Selvagem, depois disso começei a ousar na minha criação e em part times, e minha familia (mesmo de longe a enche-me de cobranças)....enfim vivemos mesmo uma era da "merdiocridade". Acredite mais em si mesma!!! Além de viver longe, não sei nada sobre suas habilitações, não sei o que poderia fazer p ajudar além de compartilhar as minhas experiências.
beijitos
Desejo-te um fim de semana bem passado!!!

Themis Patricia

Cristina H. disse...

Themis,
Não estou (ainda!) em estado de vida ou morte e (ainda!) acredito em mim, daí continuar, corajosa como no primeiro dia, a procurar emprego!!
Sujeito-me, de vez em quando, a entrevistas para sítios que não são propriamente o meu sonho. Mas o meu fundo de maneio (infelizmente) não durará para sempre e tenho que arranjar uns trocos para sustentar os vícios;)
Ah, não faço segredo da minha formação (apesar de também não ser a formação de sonho, nem nada que se pareça): sou licenciada em estratégia e gestão turísticas.
Claro que se arranjasse um emprego através do contacto de algum leitor do meu blogue, seria uma coisa magnifica!!:) Contudo - e por enquanto!! - ler algumas palavras de apoio, dá-me tudo aquilo que necessito: ainda mais força para continuar a lutar por aquilo que sei que um dia hei-de ser;)
Beijos e abraços e excelente fim-de-semana!;)