quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Estação

Olha para a estação onde apanhas o combóio, o autocarro, o metro ou o barco. Seja ela qual for. Como tudo se tornou um hábito para ti, esqueceste-te de observar os outros. No entanto, observando os outros aprendes mais um pouco acerca de ti próprio. Repara como andam em piloto automático, entrando e saindo do combóio como se nada os afectasse.
E a ti, nada te afecta? Nem a pobreza nem os falsos pedintes? Não creio. Como não creio que não te rias no teu íntimo com os pregões entoados pelos vendedores de cachecóis, guarda-chuvas e fruta ou com a peruca do homem que segue mesmo ao teu lado.
Há algo de quase poético num combóio cheio de gente. Há alguém que ouve uma música que tu gostas. Há alguém que transpira de medo. Alguém que cheira a álcool. Alguém que carrega três filhos e mais igual número de sacos de compras. Alguém que tapa as lágrimas por detrás de uns óculos escuros. Alguém bem vestido para alguma festa. Alguém que cumpre os últimos dias de vida.
E todas essas pessoas, que nos olham, empurram e pedem licença, representam cada uma delas diferentes fases das nossas vidas, cada dia que cá passamos e passaremos. As nossas alegrias, as nossas tristezas e as nossas monotonias.
Portanto, lembra-te de que todos os dias somos objecto de observação também e que, para os outros, todos os dias somos alguém diferente: nuns dias merecedores de misericórdia, noutros tantos apenas alvo de chacota.

5 comentários:

odeusdamaquina disse...

tens razão. Devo ter passado por ti e não te vi. Devo ter rido da tua cara, devo ter delirado com
aqueles sacos a rebolarem todos no chão, na estação da reboleira. Mas sei que na Portela são alguns alunos que gozam com a minha cara, a minha barba, o meu desgrenhado cabelo, as minhas roupas velhas, as minhas meias rotas. É uma luta diária, entre gozo e lágrimas, entre o riso e a cólera. Entre Sintra romântica e plácida e o Rossio abafado pelo túnel, há a agitação de Rio de Mouro, Amadora, Monte Abraão (com aqueles seguranças mais bisontes que humanos), todo um corrupio de gente, linguas, raças, etnias, cores, idades, gostos, sensações.
Amanhã é mais uma viagem neste caleidoscópio cultural!

Alexandre disse...

desde que estive na índia, deixei de me comover com a pobreza doméstica.

joao disse...

acabo de sair do metro. q analise bem feita.

Anônimo disse...

É mesmo esse o sentimento, lembro-me de ir num metro ou num comboio e observar, imaginar, sentir... é 1 turbilhão de sentimentos de vidas, diferenças culturais, etnicas...eu sei lá .. tanta humanidade, tanto sentir , e tanta indiferença, solidão, individualismo.... mas é isso mesmo, a vida passa a correr, não há tempo para nada nem outro sitio para ir que não aquele... mas é 1 das coisas que guardo com carinho são essas viagens tão cheias...:)aprende-se de facto muito.
Boa sorte e não te deixes perder na indiferencia, não te deixes anestesiar, não deixes de observar..sentir...não percas a capacidade de indignação...:)))))))) 1Abraço e volta se achares que ainda não é esse o teu lugar volta..até lá boa sorte
Anónima
Iolanda

Mistress C disse...

Por estes lados não há comboios apinhados, mas contudo posso garantir-te que já fui alvo de observações do reino animal...e como sabes também eu sou uma excelente observadora,que diga aquela linda e ultima coruja que se atravessou imprudentemente no meu caminho numa madrugada fria e cinzenta. Ainda hoje trago este peso no meu coraçao. Acho que deste então o reino animal se coadunou para me observar e achincalhar.Rara é a vez que não sinto o olhar penetrante das ovelhas ou o olhar mortífero das vacas dos vizinhos.Depois há os coelhos com o olhar carregado de condescendência atravessam a estrada num ápice,como que a relembra-me que sou lenta e anafada.Resta-me o olhar benevolente e amistoso dos gatos vadios que ronronam a minha porta.Eu que não sou cá de paranoias nem nada, mas, acho que este súbito interesse dos felinos não é mais que a esperança de que seja eu a provir-lhe substancia para saciar o seu papel na cadeia animal. Enfim,é a selva é o salve-se quem puder. Seja no comboio,seja no meio da serra. É o mundo animal.