quarta-feira, 10 de março de 2010

Chovia

Chovia desde que se lembrava de si. Chovia desde aquele dia em que fora concebido, com amor e suor, pelos seus pais. Chovia, desde então, até ao dia que hoje era: homem, certo de vir a encontrar o sol num dia próximo, no fundo de um corredor, na esquina de uma rua, num sorriso alheio, numa chávena de chá.
Chovia naquela calçada que subia apressadamente. Das telhas, caía água enraivecida que lhe batia no guarda-chuva como se o quisesse rasgar. Chovia até ao fim da subida. Chovia em todas as pedras da calçada, em todos os degraus, sem excepção. Chovia-lhe em cima, mesmo quando abrigado num toldo de café.
Todavia, era da chuva que tinha saudades. Da chuva promissora dos primeiros dias de aulas, das poças de água que desafiava com as suas botas de borracha, da lama que trazia para casa. Era o som da chuva a mais bela melodia que tinha ouvido, tocada em telhados de zinco, em janelas, em árvores. Sempre perfeita.
E só tinha conhecido a chuva, em toda a sua vida. Nada mais do que chuva. Forte, fraca, aguaceiros e temporais. Sempre a chuva! Mas o sol...
O sol haveria de chegar naquele dia que era hoje. Apressado que estava em viver mais este dia, nem se tinha dado conta que o primeiro raio de toda a sua vida, lhe inundava o rosto e lhe tingia as faces de um tom rosado. E não era preciso ter encontrado o amor. Não se tratava de encontrar o amor, de ver noutro rosto a metade que lhe faltava. Não se tratava de nenhum romance épico nem de nenhuma interminável novela. O sol, não era isso e, por isso mesmo, era muito mais.

*

Por vezes, as pessoas esquecem-se que o sol aparece quando se fecha o guarda-chuva. Ele esquecera-se disso a vida inteira, até ao dia que era hoje.

2 comentários:

José António Saraiva disse...

Saberia ele o que era o sol, passando a vida ensopado até aos ossos?

Cristina H. disse...

Tinha uma ideia, pelo que via na televisão, lol. Imaginava-o mais amarelo, é certo.