É este o filme: uma actriz decadente, deixa morrer um
cigarro nos lábios esborratados de vermelho. Em lingerie, move-se como um tigre
enclausurado no sofá. Leu algures numa revista que era bipolar. Frequenta as
sensações do diagnóstico. Faz escala nos diversos corações que visitou. Há nela
a vontade de voltar ao útero da sua mãe e reaprender os gestos humanos mergulhada
em liquido amniótico. Há nela o sentido prático de espalhar cinzeiros pela
casa, de levar o lixo para baixo antes do saco se tornar demasiado pesado. Há
nela o sentido literário de deixar revistas em cima do bidé, com astros que não
mentem, com psicólogos cronistas que não se enganam. Há sempre papel higiénico
que se acaba. É este o mote para se seguir em frente e caminhar directamente
para a cama, onde se movem os lençóis com o peso dos gatos e os retratos de
homens, muitos homens, muito inteligentes, lindos, apaixonados, cegos,
desmembrados, mortos.
Há a sede da pré-ressaca, o medo de estômago ferido, o
critério pouco rebuscado de se procurar lenha para se queimar. Há nela uma
vontade de apressar a morte, fechar os olhos e perceber que já está, que nada
mais a irá surpreender ou desagradar. Mas alguém bate à porta e, quando alguém
bate à porta, tem que se atender.
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