sábado, 12 de novembro de 2011

Pombos

Quando os pombos morrem como meninos, à mercê dos nossos sapatos pesados, sinto-me perdida em tudo quanto odeio. O trânsito. Os carros velozes e despreocupados. Duas pessoas à porrada. Uma mulher que não consegue esconder as lágrimas.
Onde os pombos jazem, tripas de fora, olhos desorbitados – nesse mesmo lugar – sentei-me eu ontem com uma bebedeira incapacitante. Ri, chorei e afirmei ser capaz de viver assim para sempre.
Na mala, o desespero de um último cigarro que não se encontra, de um isqueiro que não se encontra. De umas chaves de casa – que inoportunamente – se encontram e me empurram para o meu destino final. Nos olhos, o cansaço, a teimosia e a resistência ao primeiro raio de sol que se avizinha.
Quando os pombos nascem, não sei onde se encontram. Nunca os vi pequenos, indefesos, brincalhões aos tropeços. Sei que o fazem num lugar seguro, longe das minhas palavras, do meu descontentamento, das minhas juras sem fundamento, dos meus enganos sempre os mesmos.

Só os vejo mortos, a um canto do passeio, onde deambulo ressacada. Serenos, perfeitos. Semelhantes a um menino Jesus num presépio. Semelhantes ao meu sono profundo quando te esqueço. Fazendo-me compreender o efémero e o belo. Fazendo-me perder – enquanto perdura a caminhada – em tudo quanto odeio.

2 comentários:

Anônimo disse...

Também nunca vi pombos pequenos, mas mais depressa acredito que nasceram nas palhinhas que esse Tal de que falaste. Eheheh!

DrMau

Cristina H. disse...

O Tal, dadas as circunstâncias da época, teria agradecido ter nascido nas palhinhas dos nossos pombos.