segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arrastar

Acho melhor não. O vento que se faz sentir, gela-me os ossos. As mãos, incapacitadas que estão, tremem na perspectiva insensata de um novo amor que não chega. Não conheço nada que não seja o caminho pisado pelo enforcado, todos os dias, a todas as horas. O mesmo caminhar, o mesmo pecar, o mesmo fim. A mesma mulher, a chorar, arrastando consigo a penúria e o lamento desse tormento que é perder alguém, agarrando a esperança que lhe resta ao terço que gira e rodopia e dança nos seus dedos.
Suponho que o fiz. Desejei um espaço imaculado, livre do desassossego e do burburinho, daqueles que me pretendiam velar. Arrastei os pés e as pernas e as memórias que se arrastavam a si próprias, para dentro de um buraco manifestamente puro, possivelmente falso. E por lá me deixei estar.
Agora estática. Sorumbática. Apática. A pessoa que fui, está lá encostada à pedra tumular. Observando o ritual negro de quem chora, de quem se despede, de quem leva flores e de quem as rouba no final. A pessoa que achava melhor não, que suponha o que fazia, deteve-se. Corrigiu um erro grave nas palavras de despedida. Riu-se. Tanto perfeccionismo de nada serviu à eternidade. Rosto fechado, pele morta. Agora dorme e não te esqueças.

4 comentários:

auto-promoção disse...

às vezes, também me apetece estar sossegadinho e esperar que o mundo definhe, lá fora, tão lentamente como eu.

Cristina H. disse...

Tantas vezes. Nunca gostei de trabalho de equipa. Este então, de participação no definhar acelerado do mundo, dá-me cabo dos (poucos) neurónios.
(adorei o teu url)
Bjs*

Graciano Saga disse...

Bora fazer um duo
como os de música pimba
mas sem ser de música
e muito menos pimba.
Uma experiência sopimpa,
p'ra fazer de cara limpa:
Eu morro devagar
(tu também o podes fazer,
mas não há necessidade disso,
alguém tem de ficar e contar
a história, nem que seja
para fazer render os direitos)
fazer espectáculos de homenagem
com um qualquer Tony Carreira letrado, pode ser o senhor ministro ou uma cara da canção cara.
Mas antes que se morra,
tal como o pimba e popular
vamos enervá-los até ao fim, de facto e gravata,
com vontade de rir
do que já passou e uma outra vontade,
maior que todas as anteriores,
quando os vês a rir
indo para casa certos da sua inteligência superior.

Cristina H. disse...

Graciano,
Que belo comentário!
Vamos lá então, sem medos! :)